Alterações climáticas causadas pelo Homem detrás das chuvas torrenciais em Emília-Romanha e Alpes? A ciência diz que sim
A chuva que se abateu sobre Emília-Romanha (Itália) nos dias 23 e 24 de junho foi excecionalmente forte para esta época do ano e provocou grandes inundações repentinas. Cientistas atribuem a causa deste evento extraordinário às alterações climáticas induzidas pelo Homem. Saiba porquê.
No fim de semana de 23 e 24 de junho de 2024 a região de Emília-Romanha, situada no Norte de Itália - registou chuva excecionalmente forte para este período do ano. A precipitação acumulada em somente 48 horas rondou os 200 mm nalgumas zonas dos Apeninos Emilianos e provocou grandes inundações repentinas. Estas condições meteorológicas adversas foram desencadeadas pela presença de uma depressão extratropical - conhecida como Baixa Pressão de Génova - centrada no Mar da Ligúria.
É um centro de baixas pressões que se desenvolve a sul dos Alpes na região que inclui o Golfo de Génova, o Mar da Ligúria, o Vale do Pó, o Golfo de Veneza e o norte do Mar Adriático.
A depressão permaneceu estacionária sobre o mar da Ligúria durante mais de dois dias e provocou fortes aguaceiros e trovoadas, desde Bolonha até Piacenza. Muitas cidades dos Apeninos Emilianos ficaram inundadas e registaram-se vários deslizamentos de terras, com os transportes rodoviário e ferroviário a ficarem fortemente afetados. A 25 de junho, o risco de inundações deslocou-se para as maiores cidades do Vale do Pó.
Mas Itália não foi o único país a ser afetado por este evento. A região dos Alpes Marítimos, situada em França, também registou chuvas fortes e inundações, nomeadamente no vale de Vésubie.
Variáveis da depressão extratropical que afetou Emília-Romanha nos dias 23 e 24 de junho de 2024 | Valores da depressão extratropical que afetou Emília-Romanha nos dias 23 e 24 de junho de 2024 |
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Anomalias de pressão à superfície | -5 hPa perto da Córsega. |
Anomalias de temperatura à superfície | a rondar -3 ºC em terra na região em torno do centro da depressão. |
Precipitação | localmente acima de 30 mm/dia. |
Velocidade do vento | até 40 km/h sobre o mar. |
Fonte: adaptado de ClimaMeter, Institut Pierre Simon Laplace. |
Futuras depressões mediterrânicas: menos frequentes, mas mais graves nos riscos de precipitação e vento
A abordagem da análise levada a cabo pelo ClimaMeter - uma estrutura experimental rápida que coloca os extremos meteorológicos numa perspetiva climática - baseia-se na procura de situações meteorológicas semelhantes às do evento de interesse que tenham sido observadas no passado.
Relatório AR6 do IPCC (WG1, Capítulo 12).
No caso das Inundações de Verão associadas à Baixa Pressão de Génova (Genoa-Low Summer Floods, em inglês), os investigadores e autores deste estudo (Alice Portal, Marco Reale e David Faranda) possuem uma confiança média-alta na robustez da sua abordagem, tendo em conta os dados climáticos disponíveis, uma vez que o evento é semelhante a outros eventos passados no registo de dados.
Clima passado vs clima presente: como mudaram estes eventos associados à Baixa Pressão de Génova?
Os cientistas analisaram a forma como eventos semelhantes às Inundações de Verão da Baixa Pressão de Génova mudaram no presente (2001-2022) em comparação com o que teriam sido se tivessem ocorrido no passado (1979-2000) na referida região e chegaram à conclusão de que foi um evento algo invulgar. Tal pode ser observado na imagem abaixo que diz respeito ao gráfico do ClimaMeter.
As alterações da pressão à superfície mostram que o centro de baixas pressões possui uma intensidade semelhante no presente em comparação com o clima do passado, com alterações fracas e positivas do vento ao longo da costa ocidental de Itália. As alterações de precipitação mostram que eventos semelhantes produzem precipitação diária que pode ser até 5 mm mais abundante no clima atual do que no passado, com alterações de temperatura associadas superiores a 2 graus Celsius.
As alterações acima descritas terão resultado, de acordo com os autores do estudo, em precipitação sobre Nice e Parma de até 2 mm/dia (até 10%) mais intensas no presente do que teriam sido no passado. Não foram observadas alterações significativas na sazonalidade em relação a fenómenos semelhantes no passado.
Por fim, os autores afirmam que as fontes de variabilidade climática natural não influenciaram significativamente o evento, pelo que as alterações observadas no evento atual podem dever-se sobretudo a alterações climáticas provocadas pelo Homem.
Esta análise permitiu aos investigadores científicos concluir que as depressões semelhantes às que produziram as fortes precipitações em Emília-Romanha e nos Alpes se tornaram localmente até 5 mm/dia mais húmidas (até 12% mais húmidas) no clima presente do que no passado.
As chuvas torrenciais em Emília-Romanha podem ser atribuídas principalmente às alterações climáticas causadas pelo Homem
O gráfico elaborado pelo ClimaMeter mede a causa e a frequência deste tipo de eventos, com um ponteiro que pode apontar para barras de cor verde, amarela ou vermelha.
No tweet acima o primeiro semi-círculo refere-se à causa e o ponteiro situa-se na extremidade da barra amarela, muito perto da vermelha (“Reforçadas pelas alterações climáticas”) e muito longe da verde (“Influenciada pela variabilidade climática natural”). No segundo semi-círculo verifica-se o contrário, com o ponteiro a situar-se na extremidade da barra amarela, muito perto da verde (“Eventos semelhantes ocorreram no passado”) e bem distante da vermelha (“O evento é único”).
Os autores interpretam as chuvas torrenciais e inundações ocorridas em Emília-Romanha (associado às Inundações de Verão da Baixa Pressão de Génova) como um evento que, nomeadamente no que diz respeito ao aumento da precipitação, pode ser principalmente atribuído às alterações climáticas causadas pelo Homem, enquanto a variabilidade climática natural desempenhou provavelmente um papel menor.
Referência da notícia:
Portal A., Reale M., Faranda D. Heavy precipitation in Emilia Romagna and the French Alps likely influenced by human-driven climate change. ClimaMeter (2024).