Afinal o "Mínimo de Maunder" não terminou abruptamente: eis o que mostram os registos corrigidos das manchas solares

Em novo estudo publicado no The Astrophysical Journal, os investigadores afirmam ter descoberto que, após um período invulgar de quase ausência de manchas solares (mínimo de Maunder), a transição para um número mais normal de manchas solares não foi tão abrupta como se pensava.

Sol
Esta descoberta tem implicações para a compreensão do dínamo solar, os processos físicos no Sol que criam o seu campo magnético e a influência do Sol na Terra.

Qual é a precisão dos registos passados de manchas solares? As manchas solares são úteis aos cientistas como indicador dos processos interiores do Sol e da sua produção. O registo de manchas solares por parte dos astrónomos existe há mais de 2000 anos e tanto quanto se sabe, teve início em 165 a.C na China Antiga, durando até à atualidade, embora com lacunas na Idade Média e no século XV.

Houve uma maior e melhor sistematização da contagem de manchas solares a partir do século XVI e um registo do numérico médio diário mensal de manchas solares tem tido lugar desde a segunda metade do século XVIII no Centro de Análise de Dados de Influências Solares (SIDC, em inglês) do Observatório Real da Bélgica.

O que são manchas solares?
Manchas solares são fenómenos temporários na fotosfera do Sol, que aparecem como manchas mais escuras do que as áreas circundantes e que correspondem a áreas menos quentes (por isso mais escuras), resultantes da ação do campo magnético. A presença do campo magnético impede a circulação do gás que fica retido e arrefece. As manchas surgem normalmente aos pares e a sua dimensão média é de cerca de 1500 km.

Algumas das funcionalidades do estudo das manchas solares prendem-se com a previsão da meteorologia e clima espaciais, as condições na ionosfera, o dínamo solar (processos físicos no Sol que geram o seu campo magnético) e como indicador da produção solar, que por sua vez determina a quantidade de energia da luz solar que atinge o topo da atmosfera terrestre, o que pode influenciar as temperaturas à superfície da Terra e o aquecimento global.

manchas solares
Pintura em seda descoberta num túmulo Han de cerca de 165 a.C. na província chinesa de Hunan mostra um pássaro no disco solar, mistificando as manchas solares como um pássaro.

Conhecendo o Mínimo de Maunder e sua importância para o 'puzzle' da reconstrução do passado climático da Terra

Uma das épocas mais intrigantes da história das manchas solares foi o grande mínimo solar, designado por Mínimo de Maunder, um período entre 1645 e 1715 que registou uma rara escassez de manchas solares, que nalguns períodos chegou a atingir 0,1% das observadas nos tempos modernos. Entre 1645 e 1715, a Europa e a América do Norte testemunharam invernos muito rigorosos, consideravelmente mais frios do que o normal.

Pensava-se que o mínimo de Maunder estava ligado à Pequena Idade do Gelo (LIA, em inglês), um período frio em algumas partes do Hemisfério Norte que ocorreu desde o início do século XIV até meados do século XIX, mas, nos últimos anos, os cientistas descobriram que a causa da LIA era principalmente a atividade vulcânica no século XIII. A atividade das manchas solares voltou ao “normal” depois da Idade do Gelo.

Na era dos telescópios, não se registou nada semelhante ao mínimo de Maunder, nem mesmo no mínimo de Dalton, entre 1790 e 1830, quando uma descida acentuadíssima das temperaturas provocou impactos nefastos na atividade agrícola, o que levou a que milhares de pessoas perecessem de fome. Também neste período a atividade vulcânica foi elevada.

A descoberta dos investigadores tem “implicações importantes para os modelos de dínamo solar”

Ao deitarem um novo olhar sobre os registos de dados dos observadores de manchas solares da época (séc. XVIII - entre 1716 e 1726), incluindo os astrónomos alemães Johann L. Rost e Sebastian Alischer e os desenhos da superfície do Sol feitos por Johann Christoph Müller, os cientistas repararam que, nesse período de dez anos, os valores registados por Rost pareciam estar confusos.

Tendo em conta esta suspeita acerca de Rost - autor do maior número de registos - os investigadores acreditam que este astrónomo do século XVIII tinha possivelmente confundido contagens de manchas solares individuais com contagens de grupos de manchas solares.

“Descobrimos que a recuperação da atividade solar após o mínimo de Maunder pode ter sido mais gradual e menos intensa do que se pensava”, disse Victor Carrasco, autor principal e assistente de investigação na Universidad de Extremadura em Badajoz, Espanha.

"Antes do nosso estudo, pensava-se que a transição entre o fim do mínimo de Maunder e o período de atividade solar “normal” era abrupta
. Esta descoberta tem implicações importantes para os modelos de dínamo solar”, acrescenta Carrasco.

Muitos dos referidos registos antigos foram transpostos para bases de dados por observadores posteriores, muitas das quais estão agora disponíveis online.

registos manchas solares corrigidas
(Gráfico superior) Número diário de grupos de manchas solares registados por todos os observadores contemporâneos incluídos na base de dados de números de grupos de manchas solares de Vaquero et al, 2016 (V16) para o período 1716-1726. (Gráfico inferior) O mesmo gráfico, mas aplicando a contagem de grupos de manchas solares deste artigo aos registos de manchas solares feitos pelos observadores anteriores. Crédito: The Astrophysical Journal (2024). DOI: 10.3847/1538-4357/ad3fb9

Os grupos de manchas solares são entidades únicas que podem incluir várias manchas solares próximas umas das outras; são mais fáceis de ver, pelo que menos seriam perdidas. O registo de Rost também mostrava a maioria das manchas solares a aparecer no hemisfério sul do Sol.

Rost fez tanto entradas textuais nos seus registos, numerando e listando as manchas solares que observou, como diagramas que indicavam as suas posições no disco solar.

Efetuando uma nova contagem de grupos de manchas solares, a equipa definiu grupos de manchas solares onde Rost tinha descrito um conjunto de manchas solares. Isto foi uma tarefa que se revelou muito árdua e complexa dado que Rost nem sempre tornou claras as distâncias de cada conjunto de manchas solares.

Após este reanálise, os cientistas encontraram diferenças significativas. A título de exemplo, o primeiro ciclo solar após o mínimo de Maunder tinha um número máximo de grupos de manchas solares de 12, em comparação com estudos anteriores. A forma desse ciclo tornou-se mais evidente, com uma fase ascendente a atingir um número máximo de grupos em 1719-1720, depois uma fase descendente até cerca de 1724, seguida de uma fase ascendente do novo ciclo solar.

Conseguiram mesmo contar um maior número de dias de observação do que Rost e Alischer, uma vez que a informação que estes dois forneceram foi utilizada para determinar a existência de manchas solares, mesmo que o número exato de grupos fosse indeterminado. E descobriram que a simetria hemisférica tinha sido recuperada.

Afinal de contas… porque é que estes detalhes são importantes?

Os modelos de dínamo solar incorporam “intermitências” na atividade solar, o que significa que há períodos de atividade fortemente suprimida que são aleatoriamente intercalados com intervalos de atividade cíclica “normal”, explicou Carrasco.

“O mínimo de Maunder é frequentemente citado como um exemplo de tais períodos de repouso. Os nossos resultados mudam a ideia de como a atividade solar se comporta durante estas transições e melhoram a nossa compreensão do seu comportamento a longo prazo”.

Referências da notícia:

V. M. S. Carrasco et al 2024 ApJ 968 65. Understanding Solar Activity after the Maunder Minimum: Sunspot Records by Rost and Alischer.
Sunspots
. Advanced Space-based Solar Observatory.
David Appell, Phys.org. Corrected sunspot records show the Maunder minimum did not end abruptly. 2024.
Visão. Entrámos numa fase de mínimo solar. Como vamos ser afetados?. 2020.