A lendária façanha de Ernest Shackleton e da sua destemida tripulação na Antártida após o naufrágio do Endurance
Uma expedição à Antártida na segunda década do século XX levou ao naufrágio do navio Endurance. Mas a coragem e resiliência humana sobressaíram-se face às condições meteorológico-climáticas agrestes, originando a lendária façanha de Ernest Shacleton e seus homens num pequeno barco que percorreu uma distância enorme.
Esta é a história da lendária aventura de Ernest Shackleton e da sua destemida tripulação na Antártida. Primeiro que tudo, para que o caro leitor possa experimentar sequer uma ínfima sensação daquilo que esta gente enfrentou, projetemos o cenário agreste e as condições meteorológicas e climáticas adversas em que estas personagens da história da Humanidade se envolveram.
Imagine-se sem telemóvel, rádio ou radar, provavelmente apenas com mapas e alguns artefactos mais típicos de empreendimentos levados a cabo por marinheiros e homens do mar. Ao atravessarem o Oceano Antártico em pleno inverno (no hemisfério sul o mês de agosto decorre no inverno), sujeito ao “carácter furioso” das tempestades e toda esta viagem a ter lugar num pequeno barco de seis metros… que perante tudo isto ficaria muito frágil ao percorrer uns longuíssimos 1300 km!
Os precedentes da épica viagem levada a cabo pelo comandante Sir Ernest Shackleton e a sua tripulação
De acordo com a revista Super Interessante, "em 1901, aos 28 anos, [Shackleton] embarcou na Expedição Antártida Nacional, comandada pelo capitão Robert Falcon Scott. Na viagem, Shackleton chegou a 82º 17’ S, cerca de 850 quilómetros ao norte do polo, latitude nunca antes atingida pelo homem, porém a latitude 90° S permanecia intocada".
Mas Schakleton tinha uma grande ambição e espírito de aventura e pretendia cruzar a Antártida, passando pelo polo sul. Quando a Expedição Imperial Transatlântica deixou Londres em agosto de 1914 - em pleno início da Primeira Guerra Mundial - ninguém poderia prever a extraordinária aventura que aguardava o corajoso comandante Sir Ernest Shackleton e os seus 27 homens.
Apesar do eclodir da Primeira Grande Guerra no verão de 1914 (3 de agosto) Sir Ernest Shackleton e a sua tripulação obtiveram autorização de Winston Churchill para partir numa expedição científica que tinha como objetivo cruzar o continente Antártico, passando pelo polo sul. Então, a 8 de agosto o navio “Endurance” partiu rumo ao hemisfério sul, em direção a uma aventura que poucos se atreveriam a imaginar.
Segundo se lê na obra de Alfred Lansing “A Incrível Viagem de Shackleton”, após vários meses preso num banco de gelo compacto, “como uma amêndoa numa barra de chocolate”, o degelo da primavera só fez piorar a situação do Endurance, que acabou esmagado pela fortíssima pressão dos grandes blocos desprendidos e naufragou.
Começa então a parte mais incrível da aventura de Shackleton e dos seus homens
Como já foi explicado, a tripulação do Endurance era composta por 28 homens, entre cientistas e marinheiros. Ficaram no navio à espera do degelo para conseguirem continuar viagem, mas o choque das placas de gelo acabou por destruir o navio e afundá-lo. "O navio vai afundar !”. Conseguiram a tempo retirar parte das provisões, equipamentos e os escalares, sobrevivendo mais de seis meses nas placas de gelo flutuantes, depois de algumas tentativas frustradas de completar a viagem a pé até ao continente.
No dia 9 de abril, a placa de gelo onde se encontravam partiu-se em dois, e Shackleton deu instruções para que os membros da expedição entrassem para os barcos salva-vidas e se dirigissem para a terra mais próxima.
Após cinco complicadíssimos dias no mar, os homens exaustos desembarcaram na ilha do Elefante, a 557 km de distância do Endurance. Era a primeira vez, em 497 dias, que punham os pés em terra firme. Estávamos a 24 de abril de 1916. Sim, a ilha do Elefante era terra firme, no entanto era completamente inóspita, sem vegetação, só gelo e rochas, e muitas focas, e muito, muito distante das rotas marítimas. Esta ilha fica próxima da ponta da península Antártica.
E eis que começa a mais notável façanha desta aventura: arriscar uma louca viagem de quase 1300 km
A louca viagem de cerca de 1300 km ocorreu em pleno inverno austral entre a Ilha do Elefante na Antártida e a Ilha da Geórgia do Sul, no Atlântico Sul. Então, Shackleton e mais 5 homens, decidiram arriscar e efetuar uma viagem de barco salva-vidas numa grandessíssima distância até à estação baleeira da Geórgia do Sul, onde o comandante sabia que haveria ajuda. O melhor e mais resistente dos pequenos barcos salva-vidas, com seis metros de comprimento tinha o nome de James Caird e foi o eleito para a viagem.
Esta foi sem dúvida uma façanha notável! Atravessar numa pequena embarcação um trajeto de 1300 quilómetros que está, seguramente, entre os mais assustadores do planeta, como a temida passagem de Drake, varrida por ondas gigantescas e sujeita a condições meteorológicas inclementes, de frio intenso e ventos com força de furacão.
Por fim, após duas semanas de navegação acidentada em que um furacão afundou um barco a vapor que pesava 500 toneladas e de uma impressionante travessia a pé de 51 quilómetros, de um terreno de montanha e gelo nunca antes mapeado na ilha Géorgia do Sul, os seis homens chegaram finalmente à estação baleeira norueguesa de Stromness lá situada.
Uma louca missão que chegou finalmente ao seu fim
Desse local, Shackleton e os restantes 5 homens regressaram para resgatar os seus companheiros (grupo maior de 22), já praticamente sem esperança que ainda se encontravam acampados na ilha Elefante.
Responsável por 21 homens, Frank Wild seguiu os ensinamentos do comandante Shackleton e manteve sob a sua liderança o grupo maior de 22 homens em perfeito estado de saúde física e mental. Para afastar a depressão e manter a esperança viva, Wild promovia leituras e cantorias. As provisões baseavam-se em foca e pinguim, além das poucas provisões que tinham sobrado do Endurance.
Um período superior a quatro meses já tinha decorrido desde que o grupo pequeno de seis homens havia partido no pequeno barco James Caird. A esperança e o ânimo eram cada vez menores no grupo maior. Ambos os grupos desconheciam as condições um do outro e se os companheiros do grupo mais pequeno tinha conseguido chegar a algum lugar.
Era o dia 30 de agosto de 1916 quando Shackleton estava finalmente junto de todos os seus homens. Em terra, a tripulação comemorava e gritava a uma só voz que estavam todos bem. Cerca de uma hora mais tarde, o grupo subiu a bordo do navio e Ernest Shackleton pôde, por fim, dar por terminada aquela impressionante e fracassada aventura.
Referências da notícia:
Tatiana Wittmann e Ana Paula Severiano. Super Interessante. A incrível odisseia de Ernest Shackleton na Antártida.
Alfred Lansing. A Incrível Viagem De Shackleton. 2009.