A crise de salinidade messiniana e o estreito de Gibraltar como contributo para a formação do atual Mar Mediterrâneo

Já aqui falamos acerca da crise de salinidade messiniana que resultou no quase desaparecimento do Mediterrâneo, mas agora vamos perceber o que aconteceu para que este se voltasse a encher.

Mar Mediterrâneo
O Mar Mediterrâneo, tal como o conhecemos, formou-se há cerca de 5,3 milhões de anos quando as águas do Oceano Atlântico romperam o estreito de Gibraltar.

Provavelmente, já ouviu falar na crise de salinidade do Messiniano (Mioceno), que resultou da quase total evaporação do Mar Mediterrâneo, deixando para trás uma camada de sal de um a três quilómetros de espessura e uma destruição absurda da biodiversidade local.

Mas alguma vez se perguntou como é que isto aconteceu? Porque é que o mar começou a evaporar? E como é que depois voltou a encher? Aqui tentaremos explicar da forma mais sucinta possível.

Como é que o Mar Mediterrâneo evaporou?

A bacia do Mediterrâneo, que se situa entre dois continentes que continuam a aproximar-se, até dois centímetros por ano, foi isolada do oceano Atlântico, no final do Mioceno, pelo que as suas águas evaporaram rapidamente - onde havia profundidades de cerca de 1 km, 3/4 da água desapareceu - devido ao clima árido que domina o nosso planeta nessas latitudes.

Isto é, o que deu início ao período da crise de salinidade messiniana (há cerca de 6 milhões de anos) terá sido uma parte da litosfera que se desprendeu da Ibéria e se afundou no manto terrestre, provocando, assim, um levantamento do sul da Ibéria, fechando a ligação entre o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo.

evaporação do mediterrâneo; estreito de Gibraltar
B) e (C): os rios que antes desaguavam no Mediterrâneo erodiram profundamente as margens continentais; (D) a evaporação levou à saturação do sal nas águas e à acumulação de camadas de sal com mais de um quilómetro de espessura; (E) alguns lagos permaneceram nas partes mais profundas do mar. A imagem do canto superior direito recria o trânsito de mamíferos, como camelídeos e gerbilos, pelo Estreito de Gibraltar. Fonte: Wikimedia Commons.

Esta crise de salinidade durou cerca de 190 mil anos e estima-se que a água do Mar Mediterrâneo tenha caído para cerca de 1500 a 1700 metros abaixo do nível do Oceano Atlântico.

Como é que o Mediterrâneo voltou a encher? A importância do Estreito de Gibraltar

Um dos cenários mais prováveis para o fim da crise de salinidade messiniana terá ocorrido há 5,3 milhões de anos, com uma inundação de escala épica a encher a bacia mediterrânica - o Dilúvio Zancliano (Zanclean Flood).

Assim, as águas do Atlântico extravasaram com o rompimento do "escudo" do Estreito de Gibraltar. Na origem desta cheia estará uma de três hipóteses (ou as três juntas): a movimentação de placas tectónicas, a alteração do nível global dos oceanos ou a erosão dos solos.

Contudo, a teoria de que um movimento posterior das placas tectónicas que fez com que o solo em redor do Estreito de Gibraltar diminuísse, provavelmente abatendo o istmo que ligava África à Europa, é a mais aceite no mundo científico.

Estreito de Gibraltar; evolução
Evolução do Estreito de Gibraltar ao longo da escala de tempo geológica. (contornos dos continentes atuais a tracejado) Fonte: Atlas Histórico da Península Ibérica.

Acredita-se que a água irrompeu a partir de uma cascata em socalcos com mais de 1 km de altura e com um fluxo de 100 milhões de metros cúbicos por segundo! Desta forma, os cientistas também defendem que esta inundação do Mediterrâneo não foi gradual, mas sim bastante repentina, tendo em conta a quantidade de água que foi sido transportada do oceano para o mar.

Como já referimos acima, o desnível entre o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo era de uma média de 1500 metros e na fase final desta inundação, o Mediterrâneo enchia-se a um ritmo de cerca de 10 metros por dia!

Este fluxo acabou por criar no fundo marinho uma erosão de 200 quilómetros de comprimento com vários quilómetros de largura. Por outro lado, calcula-se que o Oceano Atlântico terá tido uma descida de 9,5 metros no seu nível. Esta terá sido a maior e mais violenta inundação, que se saiba, que a Terra conheceu.

Apesar de repentina, esta intrusão de água no Mediterrâneo começou devagar

Todos os modelos, testados pelos cientistas, mostram um primeiro período longo de muito pouca incisão devido à quantidade reduzida de descarga de água permitida pela profundidade rasa da soleira de 1 m prescrita no momento inicial. À medida que a comporta de Gibraltar é escavada, tornando-se mais profunda e mais larga, o caudal de água e a taxa de incisão aumentam exponencialmente.

Aquando o início da intrusão de água na bacia do Mediterrâneo, o ritmo foi bastante lento, quando comparado com a fase final.

Esta situação manteve-se até ao fluxo de água ficar limitado pela subida do nível do Mediterrâneo Ocidental. Mais tarde, a redução do gradiente hidrológico entre o Oceano Atlântico e o Mediterrâneo Ocidental resultou na redução da velocidade do fluxo, da descarga de água e da taxa de incisão.


Referência da notícia:

Garcia-Castellanos, D., Estrada, F., Jiménez-Munt, I. et al. Catastrophic flood of the Mediterranean after the Messinian salinity crisis. Nature (2009).