Marte tinha um campo magnético, mas apenas num hemisfério: uma nova teoria explica-o
Um campo magnético no pólo sul de Marte intriga os cientistas. Um novo modelo com núcleo líquido e diferenças térmicas oferece a explicação mais convincente até à data.

Durante décadas, Marte tem intrigado os cientistas devido a uma ausência importante: o seu campo magnético global. Ao contrário da Terra, Marte não tem uma bolha protetora que o proteja do vento solar. Este facto tem facilitado a perda progressiva da sua atmosfera, afetando o seu potencial para suportar vida.
No entanto, as rochas mais antigas de Marte conservam vestígios de um campo magnético passado. Isto sugere que o planeta vermelho já teve um mecanismo interno que gerava um campo semelhante ao da Terra. O que é intrigante é que este magnetismo parece ter-se manifestado apenas no hemisfério sul.
Esta assimetria foi detetada inicialmente pela sonda Mars Global Surveyor, em 1997, e mais tarde confirmada pelo módulo InSight. Porque é que só o sul mostrou magnetismo e o norte não? Durante anos, a comunidade científica debateu possíveis explicações, desde impactos de asteroides a tectónica localizada.
Seen here are a landslide scarp & rocky deposit off the edge of a streamlined mesa in Mars' Simud Valles: https://t.co/rQJQjz9dwC pic.twitter.com/CunkW3nC8q
— NASA (@NASA) May 20, 2017
Uma nova hipótese, proposta por investigadores da Universidade do Texas, pode ser a chave. Utilizando modelos informáticos avançados, estes investigadores defendem que Marte tinha um núcleo completamente líquido e que existia uma grande diferença térmica entre os hemisférios, o que concentrava a geração do campo no sul.
Marte e o seu dínamo irregular
Na Terra, o campo magnético é gerado no núcleo externo, que é composto por ferro fundido em movimento. Este fluido, ao girar, cria correntes elétricas que produzem um campo magnético estável. Marte, por outro lado, parece ter tido um sistema muito diferente há milhares de milhões de anos.
Modelos anteriores sugeriam que Marte também tinha um núcleo interno sólido e um núcleo externo líquido, tal como o nosso planeta. No entanto, o novo estudo sugere que todo o núcleo marciano era líquido durante o tempo em que tinha um campo magnético. Esta diferença é fundamental para compreender o seu campo hemisférico.
A chave é a forma como o calor escapa do interior do planeta. Se o hemisfério sul tivesse uma crosta termicamente mais condutora, o calor teria escapado mais facilmente através dela. Esta diferença teria intensificado o movimento dos fluidos, ativando o mecanismo do dínamo apenas no seu pólo sul.
Este fenómeno explicaria porque é que as rochas do hemisfério sul são magnetizadas e as do norte não. Também se enquadra na ausência de um dínamo ativo após a formação de grandes bacias de impacto, como Hellas e Isidis, há mais de 3,9 mil milhões de anos, que não apresentam indícios magnéticos.
Simulações que revelam segredos
Para validar esta teoria, os cientistas utilizaram o supercomputador do Maryland Advanced Research Computing Center. Modelaram um Marte antigo com diferentes condições do núcleo e da crosta. Queriam ver se era possível reproduzir um campo magnético como o que foi detetado pelas missões Global Surveyor e InSight.
As simulações confirmaram que, quando o núcleo era completamente líquido e o hemisfério sul tinha maior condutividade térmica, era gerado um campo magnético assimétrico. Este campo correspondia, tanto em força como em distribuição, às medições reais obtidas em Marte.

O modelo propõe que a diferença de temperatura entre os hemisférios fez com que o dínamo planetário fosse ativado de forma localizada. Este “dínamo hemisférico” não tem precedentes entre os planetas conhecidos e levanta novas questões sobre a evolução térmica e a dinâmica interna de Marte.
Embora a teoria seja sólida, ainda é necessária mais investigação. Os autores sugerem a análise de dados sísmicos adicionais do módulo de aterragem InSight, bem como o estudo de meteoritos marcianos de diferentes regiões do planeta. Assim, poderiam procurar sinais que confirmem ou refutem a hipótese do núcleo líquido.
O que isto significa para Marte... e para nós
Se se confirmar que Marte tinha um campo magnético hemisférico gerado por um núcleo totalmente líquido, isso mudaria muito a nossa compreensão da sua história. Esta descoberta implicaria que o campo se extinguiu não por solidificação, como se pensava anteriormente, mas por ineficiências no seu dínamo planetário.
Também nos daria pistas sobre a razão pela qual Marte perdeu a sua atmosfera tão rapidamente. Sem um campo magnético global, o planeta ficou exposto ao vento solar, o que contribuiu para o seu atual estado árido e frio. Isto afeta as expectativas sobre a vida passada e futura no planeta vermelho.
Além disso, esta teoria sugere que as condições térmicas da superfície - como a condutividade da crosta - podem desempenhar um papel na determinação do campo magnético de um planeta. É uma chamada de atenção para o facto de pequenos pormenores poderem ter consequências globais na evolução dos planetas.
Para já, o novo modelo parece convincente. Mas, como toda a boa ciência, está aberto ao debate e a mais testes. A exploração de Marte e a análise dos seus dados continuam a ser fundamentais para reconstruir não só o seu passado, mas também para compreender a diversidade de mundos possíveis no Universo.