Fendas na superfície da Terra e de Marte podem revelar segredos da habitabilidade de outros planetas
As fendas nas superfícies da Terra, Marte e Europa seguem padrões geométricos reveladores, cujo estudo poderá fornecer pistas sobre a história geológica e a presença de água no passado.

As superfícies dos planetas rochosos e das luas são marcadas por uma intrincada rede de fendas e fraturas que podem parecer aleatórias a olho nu. No entanto, estudos recentes revelaram que estas estruturas seguem padrões previsíveis e universais.
Estas redes de fraturas, que vão desde pequenas fissuras na lama até falhas tectónicas na crosta sólida, podem fornecer informações fundamentais sobre a evolução geológica de um mundo. Recentemente, descobriu-se que, independentemente do material ou do planeta em causa, estão organizadas em formas geométricas específicas.
Isto sugere que existem princípios subjacentes que regem a sua formação, relacionados com a tensão, a temperatura e a presença de líquidos. Em Marte, por exemplo, os padrões de fratura no solo sugerem antigos ciclos de congelamento e descongelamento, apontando para a presença de água líquida no passado.

Esta descoberta abre uma nova janela para a exploração planetária. Se conseguirmos decifrar a linguagem das fissuras em diferentes mundos, poderemos reconstruir as suas histórias geológicas sem necessidade de perfurações ou de exploração direta. A geometria destas fraturas pode dizer-nos onde procurar água ou mesmo vida microscópica.
Da Terra a Marte: fraturas com história
Na Terra, as fendas no solo aparecem numa variedade de ambientes, desde desertos a fundos oceânicos. Em cada caso, a sua forma e disposição dependem das condições específicas do seu ambiente. Este mesmo princípio aplica-se a outros planetas, onde as fraturas podem servir como arquivos geológicos que registam a sua história ambiental.
Os padrões de fraturas em Marte, por exemplo, sugerem ciclos de congelação e descongelação. Estas fendas poligonais, semelhantes às encontradas em regiões frias da Terra, reforçam a hipótese de que a água esteve presente no seu passado. Uma descoberta importante para a exploração astrobiológica, uma vez que a água é um ingrediente chave para a vida.
Em Europa, a lua gelada de Júpiter, as fraturas na sua superfície gelada revelam um processo diferente. As observações sugerem que o gelo racha e se desloca de forma semelhante às placas tectónicas da Terra. Isto pode ser a prova de um vasto oceano subterrâneo, um dos locais com maior potencial para albergar vida no sistema solar.
Assim, os padrões de fraturas em diferentes corpos celestes funcionam como impressões digitais da sua história climática e geológica. Se aprendermos a interpretá-los corretamente, poderemos reconstruir os eventos que moldaram esses mundos e compreender melhor o seu potencial para a vida.
Decifrar códigos ocultos
Para analisar estas fraturas, foram desenvolvidos modelos matemáticos para explicar como se formam e evoluem as redes de fissuras. Um estudo recente propôs que todas as superfícies planetárias desenvolvem fraturas em padrões de tesselação, em que as fissuras se organizam em formas geométricas específicas, como hexágonos e pentágonos.
O modelo matemático classifica as fraturas em três tipos principais, dependendo da forma como se propagam e se foram influenciadas pela presença de líquidos. Na Terra, as fissuras na lama seca e as falhas tectónicas seguem padrões semelhantes aos observados em Marte e na Europa. Este facto reforça a ideia de que as mesmas leis físicas se podem aplicar em mundos diferentes.

Um dos aspetos mais entusiasmantes desta investigação é o facto de poder permitir prever onde poderá ter existido água noutros planetas, sem necessidade de enviar sondas para perfurar a sua superfície. Se as fissuras se formarem de uma determinada forma, isso pode indicar que o material subjacente esteve em contacto com a água em algum momento.
No futuro, este conhecimento poderá orientar missões a áreas específicas de Marte ou às luas geladas do sistema solar, ajudando a identificar os locais com maior probabilidade de albergarem sinais de vida passada ou mesmo presente.
Fendas e vida no cosmos
O estudo das fendas nos planetas e luas não é apenas uma curiosidade geológica, mas uma ferramenta poderosa para a exploração espacial. À medida que as agências espaciais planeiam futuras missões a Marte, Europa e mais além, a compreensão destes padrões de fraturas pode ser a chave para a descoberta de novos mundos habitáveis.
Descobertas recentes mostraram que a água desempenha um papel fundamental na formação de certos tipos de fraturas. Isto significa que, ao analisar a geometria destas fraturas, poderemos ser capazes de localizar locais onde a água fluiu no passado ou onde poderá estar presente atualmente.
Se for possível identificar regiões fraturadas que sugiram a presença de gelo subsuperficial, isso poderá facilitar a obtenção de água para os astronautas em futuras colónias marcianas. O estudo destas estruturas não é, portanto, apenas um exercício teórico, mas uma ferramenta potencialmente crucial para futuras missões espaciais.
Em última análise, compreender como se formam e evoluem as fissuras planetárias pode ser um passo fundamental para resolver o grande enigma da vida: estaremos sozinhos no Universo? Mais do que simples fissuras à superfície, poderão ser as pistas para encontrar mundos habitáveis para além da Terra.
Referência da notícia
Decoding planetary surfaces by counting cracks. S. Silver, K. Regős, D. J. Jerolmack, and G. Domokos, March 4, 2025 https://doi.org/10.1073/pnas.2411738122