Astrónomos detetam pela primeira vez “tornados espaciais” no coração da Via Láctea
Já ouviu falar em tornados espaciais? Um novo estudo, feito com base em observações do Atacama Large Millimeter Array (ALMA) dá a conhecer a existência destes na Via Láctea.

O que é que acontece quando se misturam nuvens de gás e poeira com ondas de choque energéticas no núcleo da Via Láctea? Tornados espaciais. Pelo menos, foi assim que os investigadores que utilizaram o ALMA (Atacama Large Millimeter Array), no Chile, para estudar o coração da galáxia, descreveram o que encontraram.
Uma equipa internacional de astrónomos, liderada por Kai Yang da Universidade Jiao Tong de Xangai, focou este conjunto numa região chamada Zona Central Molecular (CMZ). Esta região da Via Láctea ocupa várias centenas de parsecs do espaço que rodeia Sagitário A*. Tem uma forma irregular, com um diâmetro de cerca de 1900 anos-luz.
O Atacama Large Millimeter Array (ALMA) é um rádio-observatório constituído por um conjunto de 66 antenas, das quais 54 contam com 12 metros de diâmetro e as demais com 7 metros de diâmetro.
A CMZ é um ambiente bastante extremo, repleto de ondas de choque. Tem alguma atividade de formação de estrelas, o que produz fluxos de saída em pequena escala. A região recebe material do resto da galáxia, uma vez que o gás é canalizado através da barra central. O gás na CMZ é muito mais denso, quente e turbulento do que as nuvens moleculares no resto do disco. Existem campos magnéticos mais fortes nesta zona, bem como um aumento do número de raios cósmicos.
Várias regiões da zona em questão exibem níveis elevados de emissões de moléculas interestelares, incluindo óxido de silício (SiO). Estas emissões aparecem em imagens espectrais de comprimento de onda milimétrico e têm o aspeto de “filamentos finos”. Não estão relacionadas com quaisquer fluxos de saída na região.
Observações da atividade na CMZ
A equipa de Yang usou o ALMA para mapear as linhas espectrais de Si0 e de outras moléculas que compõem os filamentos. Encontraram algumas características inesperadas.

Yang afirma que quando verificaram as imagens do ALMA que mostravam os fluxos de saída, repararam que estes filamentos longos e estreitos estavam espacialmente afastados de quaisquer regiões de formação de estrelas. Ao contrário de quaisquer objetos conhecidos, estes filamentos surpreenderam a equipa. Desde então, têm estado a refletir sobre o que são.
Esses “filamentos finos” encontram-se nas linhas de emissão do SiO e de oito outras moléculas e não são estruturas que vejamos na luz visível. Uma vez que não estão necessariamente ligados à atividade de formação de estrelas e não parecem estar associados a emissões de poeira aquecida, a equipa está a analisar a dinâmica da região para explicar a sua causa.
“A alta resolução angular e a extraordinária sensibilidade do ALMA foram essenciais para detetar estas emissões de linhas moleculares associadas aos filamentos finos e para confirmar que não há associação entre estas estruturas e as emissões de poeira”, disse Yichen Zhang, professor da Universidade de Shanghai Jiao Tong. Esta descoberta marca um avanço significativo, ao detetar estes filamentos numa escala muito mais fina de 0,01 parsec para marcar a superfície de trabalho destes choques.
Tornados espaciais?
As transições rotacionais do SiO 5-4 são claramente vistas nas observações do ALMA. Basicamente, a molécula transita de um estado de energia mais elevado para um mais baixo. Isto altera a sua energia rotacional e pode ser visto nas imagens espectrais. A equipa também notou a presença de masers de CH3OH, que são estruturas que produzem emissões de micro-ondas. Os filamentos são também ricos em moléculas orgânicas complexas.

Xing Lu, professor investigador do Observatório Astronómico de Xangai e coautor de um artigo sobre os filamentos, diz que a equipa especulou que estes filamentos finos representam uma classe distinta dos filamentos de gás denso tipicamente observados em nuvens moleculares próximas, e podem resultar de interações entre choques e nuvens moleculares. Afirmou ainda que podemos imaginá-los como tornados espaciais, pois são fluxos violentos de gás, dissipam-se rapidamente e distribuem materiais no ambiente de forma eficiente.
O que é que se segue?
A descoberta revolucionária desta equipa oferece uma janela para os processos que ocorrem na CMZ e a sua natureza cíclica. Para recapitular o que sabem até agora, os choques criam filamentos finos, que libertam SiO e as moléculas orgânicas CH3OH, CH3CN e HC3N na região. Estas moléculas congelam em grãos de poeira. Passado algum tempo, os filamentos dissipam-se. Isto reabastece o material libertado pelo choque na CMZ e equilibra o esgotamento molecular e o eventual reabastecimento.
Futuras observações a outros comprimentos de onda deverão ajudar os astrónomos a compreender a natureza evolutiva dos filamentos e os acontecimentos que estimulam a sua formação e dissipação.
Referência da notícia
Kai Yang, Xing Lu4, Yichen Zhang1, Xunchuan Liu, Adam Ginsburg, Hauyu Baobab Liu, Yu Cheng, Siyi Feng, Tie Liu, Qizhou Zhang, Elisabeth A. C. Mills, Daniel L. Walker, Shu-ichiro Inutsuka, Cara Battersby, Steven N. Longmore, Xindi Tang, Jens Kauffmann, Qilao Gu, Shanghuo Li, Qiuyi Luo, J. M. Diederik Kruijssen, Thushara Pillai, Hai-Hua Qiao, Keping Qiu e Zhiqiang Shen. ALMA observations of massive clouds in the central molecular zone: slim filaments tracing parsec-scale shocks. Astronomy & Astrophysics (2025).