Via Campesina quer “proibição definitiva” da compra de produtos agrícolas abaixo dos custos de produção

Vítor Rodrigues, dirigente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), integrou a delegação da Coordenadora Europeia Via Campesina que reuniu, na última semana, com o novo Comissário da Agricultura, Christophe Hansen.

Agricultura
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) integrou a delegação da Coordenadora Europeia Via Campesina, que reuniu, na última semana, com o novo Comissário da Agricultura.

A reunião com o novo Comissário Europeu da Agricultura e Alimentação, Christophe Hansen, teve lugar a 4 de fevereiro, em Bruxelas.

Nesse encontro, a Coordenadora Europeia Via Campesina (ECVC), que agrega organizações de diversos países da União Europeia, exigiu “preços justos” à produção agrícola, incluindo “a proibição da compra de produtos agrícolas abaixo dos custos de produção”.

A mesma organização quer ainda “a introdução de instrumentos de regulação de mercado na próxima reforma da Organização Comum dos Mercados”.

A Organização Comum dos Mercados (OCM), recorde-se, é um dos três pilares da Política Agrícola Comum (PAC), sendo os outros dois as ajudas diretas e o apoio ao desenvolvimento rural. Entre as medidas de intervenção da OCM no mercado interno está, por exemplo, a armazenagem privada ou o r egime de ajuda à distribuição de fruta e produtos hortícolas e do leite e produtos lácteos nos estabelecimentos de ensino.

Para a Coordenadora Europeia Via Campesina, estes são “elementos fundamentais para valorizar a produção agrícola e os rendimentos dos agricultores” da União Europeia e, em concreto, os agricultores portugueses.

Questionado sobre o balanço desta reunião em Bruxelas, o português e dirigente da CNA, Vítor Rodrigues, considera que “foi uma reunião importante, na medida em que, pelo menos, tivemos a oportunidade de poder explanar algumas das políticas que consideramos prioritárias, sobretudo numa fase em que se está a começar a discutir a reforma da Organização Comum dos Mercados”.

Acima de tudo, é “importante que se proíba, definitivamente, a compra de produtos agrícolas abaixo dos custos de produção”. Esta é “uma discussão que está em andamento, que teve eco no último Conselho Europeu da Agricultura e que já motivou, inclusive, a abertura de um procedimento para alteração da diretiva dos acordos comerciais desleais”, explicou o dirigente da CNA após a reunião com o Comissário Europeu da Agricultura.

Vítor Rodrigues revela ainda que “todas as indicações” que tem vão “no sentido de se avançar para a revisão da Diretiva sobre as práticas comerciais desleais”, com o objetivo de “reforçar a força dos agricultores na cadeia de produção e até ao abastecimento”. Tal deverá acontecer "ainda este ano".

frutas
Para a CNA e a ECVC, é “essencial aumentar o número de agricultores na UE, garantindo rendimentos e preços justos, valorizando a produção local e o acesso de todos a uma alimentação saudável”.

Para a CNA e para a ECVC, uma das medidas que defendem é “uma alteração muito simples”: “introduzir, na lista negra e na lista cinzenta da Diretiva das práticas comerciais desleais na cadeia de abastecimento agrícola e alimentar, os produtos agrícolas e agroalimentares que hoje não estão”.

Acesso à terra por parte dos agricultores

Na reunião com Christophe Hansen “foram ainda reafirmadas as propostas quanto a medidas que facilitem o direito e acesso à terra por parte dos agricultores, em particular jovens, e que combatam a atual especulação em torno do seu valor e expansão de usos não agrícolas em terras com aptidão produtiva”.

Questionado sobre esse assunto, Vítor Rodrigues faz notar que “ainda não conseguimos convencer as instituições europeias da necessidade de termos mais agricultores e não menos agricultores".

Se nada for feito, diz o dirigente da CNA, podemos estar a "condenar vastas áreas de território do sul da Europa à desertificação, ao abandono e uma completa inviabilidade”, porque, “às tantas, deixa de ser possível, digamos, captar pessoas para esses territórios, embora isso não dependa só da agricultura”.

Para a CNA e a ECVC, é “essencial aumentar o número de agricultores na UE, garantindo rendimentos e preços justos para produtores e consumidores, valorizando a produção local e o acesso de todos a uma alimentação saudável e de produção sustentável”.

Estas, dizem estas organizações, são “condições necessárias para alcançar a soberania alimentar” da União Europeia e dos seus Estados-membros.

Vítor Rodrigues diz ainda que a Política Agrícola Comum (PAC) deve ser “mais justa" e que os seus pagamentos devem ser "canalizados para quem deles mais precisa”. Esse, diz, é “um princípio” que a Confederação quer ver discutido nos diálogos estratégicos quanto ao futuro da União Europeia e sobre o futuro da PAC.

Acordo comercial UE-Mercosul

A reunião com o Comissário Europeu da Agricultura também serviu para “alertar para as consequências negativas dos tratados comerciais internacionais” e que afetam, “em particular, os pequenos e médios agricultores”. O acordo de livre comércio entre a União Europeia e os países do Mercosul é um exemplo.

Para Vítor Rodrigues, esse acordo firmado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Uruguai, num encontro com os presidentes dos quatro países do Mercosul, “na prática, vai favorecer a grande agricultura de um lado e do outro” do Atlântico.

Hortícolas
O acordo comercial UE-Mercosul “vai favorecer a grande agricultura de um lado e do outro lado do oceano e esmagar os pequenos e médios agricultores ainda mais”, diz a CNA.

"Aquilo que a União Europeia está a fazer é sacrificar a agricultura no altar das exportações de bens industriais”, diz aquele responsável, porque permite a entrada de produtos desses países que são produzidos com custos mais baixos, desde logo porque não são produzidos com as mesmas regras que existem na União Europeia”, por exemplo.

Nem são produzidos "em respeito pelas mesmas questões sociais, as mesmas condições de trabalho ou que não fazem a mesma utilização de determinados fatores de produção que estão proibidos na União Europeia”.

"Contacto regular" com Christophe Hansen

Nessa medida, o dirigente da Confederação Nacional da Agricultura que integrou a delegação da Coordenadora Europeia Via Campesina na reunião com o Comissário da Agricultura adverte: avançar, o acordo comercial UE-Mercosul “vai esmagar os pequenos e médios agricultores ainda mais”.

Apesar dos problemas colocados em cima da mesa em Bruxelas, Vítor Rodrigues saiu de lá otimista e crente de que haverá novos encontros a este nível e que passarão a ter “um contacto mais regular” com Christophe Hansen.