Um bife no prato não tem de ser um atentado ao ambiente. Basta seguir a receita dos investigadores portugueses
Equipa da Universidade de Lisboa investigou a fórmula mais sustentável para os produtores de bovinos reduzirem drasticamente a pegada da indústria.
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Um suculento bife, para um carnívoro incorrigível, é uma tentação, mas, ainda antes da primeira dentada, vamos primeiro digerir alguns números. O setor pecuário é responsável por cerca de 15% do total de emissões de gases com efeito estufa (GEE) a nível mundial.
Se perdeu rapidamente o apetite, vamos contar-lhe que, apreciar um bom bife de vaca, não tem de ser um atentado ao ambiente. Basta criar os bovinos em sistemas de pastoreio adequados, corrigir a sua suplementação alimentar e saber escolher a raça. Esta é a receita de um grupo de investigadores do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa revelada num estudo recentemente publicado na revista Environmental Impact Assessment Review.
O problema não é a vaca, mas sim as condições de produção
A investigação desafia a ideia de que a carne bovina é o alimento com maiores emissões de gases GEE na sua produção. A necessidade urgente de encontrar soluções para reduzir o seu impacto ambiental, levou a equipa da Universidade de Lisboa a questionar se, mudando as condições desta indústria, os resultados poderiam ser diferentes.
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As probabilidades pareciam promissoras, tendo em conta que a variação das emissões específicas atribuídas à carne bovina é também a maior entre todos os produtos alimentares. Significa isto que será preciso, antes de mais, examinar as condições de produção para entender o que faz disparar os alarmes.
Os investigadores estudaram os principais causadores de emissões GEE em diferentes modelos de produção pecuária para vacas e novilhos das regiões Centro e Sul de Portugal. Selecionaram também quatro raças - Alentejana, Angus, Charolais e Limousin, as três últimas entre mais utilizadas no mundo para sistemas de criação de bovinos e vitelos.
De seguida, avaliaram as condições e os resultados obtidos em animais criados em três modelos distintos: sistemas confinados, baseados em pastagens e mistos. Incluíram ainda outras variáveis, como idade de abate, ração e suplemento alimentar utilizados para os novilhos atingirem o seu potencial máximo de crescimento. Estudaram também dois sistemas alternativos de pastagem (baixo rendimento/ manutenção e alto rendimento/ insumo).
Ar fresco nem sempre é a melhor solução
A investigação sugere que os sistemas suportados em pastoreio tendem a ter menores emissões do que os que utilizam o confinamento apenas quando os animais recebem suplementação nutricional adequada. Mas, se os bovinos em pastoreio não forem devidamente alimentados, o confinamento, neste caso, pode ser a opção com a menor pegada de carbono.
A conclusão contraria a perceção generalizada de que a criação do gado ao ar livre (em pastoreio) é sempre mais sustentável. Mas, segundo os autores, alguns sistemas de pastagens tendem a produzir mais emissões de metano.
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Os motivos estão nas dificuldades dos animais em digerir a ração da gramínea, originando uma maior fermentação durante o processo digestivo e ainda as probabilidades mais reduzidas de aproveitarem os benefícios da suplementação alimentar adicional durante o pastoreio. O artigo científico também destaca a importância da escolha da raça, uma vez que algumas têm naturalmente uma menor pegada ambiental.
Ricardo Teixeira, principal autor do estudo e investigador do Técnico e do Centro de Ciência e Tecnologia do Ambiente e do Mar.
Pesando estas e outras variáveis, as experiências levadas a cabo com bovinos criados em Portugal demonstraram que as emissões de GEE podem oscilar entre 124 kg e apenas 15 kg de dióxido de carbono (CO₂) e por 100 g de proteína, dependendo do sistema de produção adotado.
Os autores advertem ainda para a importância de ponderar os custos ambientais da expansão das áreas de pastoreio, que contribui para a desflorestação, podendo anular os benefícios alcançados na produção. Não é, de facto, uma questão que deva ser subvalorizada.
A criação de gado ruminante é responsável por 80% do desmatamento das florestas, com a produção de carne e de lacticínios, de áreas de pastagens e de cultivo de ração animal a ocupar três quartos de todas as terras agrícolas do mundo.
Tão devastador ainda é o uso de cerca de 30% da água doce do planeta para a produção de carne bovina, segundo as estimativas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
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O estudo com o título “Grazing or Confining — Decoding Beef’s Environmental Footprint” lança novos ângulos sobre a sustentabilidade da criação de bovinos e fornece dados inéditos que os investigadores esperam poder vir a apoiar decisores políticos, agricultores e a indústria da carne a desenvolver estratégias para uma produção pecuária mais sustentável.
Referência do artigo
Tiago G. Morais, Manuel P. dos Santos, Lúcia Barão, Tiago Domingos, Ricardo F.M. Teixeira. Grazing or Confining — Decoding Beef’s Environmental Footprint. Environmental Impact Assessment Review.