Um aquecimento súbito estratosférico pode alterar o final do inverno
Há várias semanas que se fala do vórtice polar estratosférico. Vários pequenos aquecimentos súbitos deslocaram-no e estará agora exposto a um muito maior que provavelmente o irá desestabilizar completamente, invertendo os ventos zonais. Mas que consequências poderá ter?
Antes de começar, deve ficar claro que a troposfera e a estratosfera são duas camadas muito distintas. Interagem entre si dado que se encontram uma a seguir à outra, mas estas interações não costumam ser diretas ou fáceis de estudar.
O vórtice polar troposférico é o que condiciona a circulação de depressões e massas de ar em níveis baixos e o que afeta diretamente o tempo das latitudes médias e altas. Pode ser forte e estável ou, pelo contrário, fraco e ondulado, neste último caso permitindo que as massas de ar migrem facilmente das suas latitudes de origem e dêem origem a episódios meteorológicos anómalos.
O vórtice polar estratosférico, por outro lado, situa-se muito acima e não tem uma influência direta sobre as condições que observamos à superfície. O que acontece na troposfera e no vórtice polar troposférico não tem necessariamente de ter sido condicionado pelo estratosférico, no entanto, uma anomalia generalizada e persistente pode propagar-se de uma camada para a outra e ter consequências a longo prazo. É por esta razão que nas últimas semanas e especialmente nestes últimos dias a estratosfera e o seu comportamento no hemisfério norte tem sido o centro das atenções.
Após vários pequenos aquecimentos, que deslocaram ligeiramente este vórtice da sua posição habitual, está a desenvolver-se um muito maior no hemisfério norte e espera-se que desestabilize completamente a circulação de forma persistente, até ao ponto de chegar a inverter previsivelmente os ventos zonais na estratosfera.
Uma situação deste tipo é muito mais suscetível de se propagar para a troposfera e alterar a circulação também a este nível, o que teria consequências à escala planetária no hemisfério norte.
Terá consequências em Portugal?
A pergunta é inevitável neste momento, mas a resposta não é fácil. As consequências deste tipo de anomalias no vórtice polar estratosférico, que, aliás, são comuns no final do inverno, são observáveis à escala planetária e sinóptica. Isto significa que podem alterar significativamente a circulação de todo o hemisfério em termos gerais, mas que é complicado aventurar-se a fazer uma previsão para um local específico.
Em alguns casos, como em 2018, este tipo de evento desencadeou um inverno tempestuoso e com episódios significativos de frio, mas noutros não teve um grande impacto no sudoeste da Europa e em Portugal. Afinal de contas, é mais provável que um anticiclone de bloqueio se desenvolva em latitudes altas neste tipo de situação e, portanto, que as massas de ar frio sejam forçadas a descer em latitude com tudo o que isso implica, mas nem sempre acontece nas mesmas áreas.
Neste caso em particular há algo que pode ser interessante de seguir: o IFS do ECMWF, o nosso modelo de referência, tem prevista uma tendência para o predomínio das baixas pressões a partir do final de fevereiro e para o mês de março, com a precipitação a poder estar acima da média para a época do ano e temperatura dentro da média.
Como os efeitos desta anomalia do vórtice polar podem começar a fazer-se sentir no final deste mês, deve ser dada especial atenção às últimas semanas de inverno e à transição para a primavera, uma época em que também são comuns grandes mudanças na circulação em todo o hemisfério.