Terramoto de 1722: o pior sismo do Algarve engoliu um rio, destruiu vilas inteiras, mas não deixou registos

A terra tremeu esta segunda-feira em Faro e em Albufeira e fez-nos recuar 300 anos para recordar o maior abalo sentido na região, que atingiu os 7,8 na escala de Richter, mas caiu no esquecimento após o Grande Terramoto de Lisboa, em 1755.

Terramoto de Lisboa
O Grande Terramoto de Lisboa abafou a importância do sismo de 27 de dezembro de 1722, o maior que a região do Algarve já sentiu. Imagem: domínio público

Às 05:18 da madrugada desta segunda-feira, 24 de março, a terra tremeu no Algarve. O sismo, com uma magnitude de 4,4 na escala de Richter teve o epicentro a cerca de 75 km a sul de Faro.

Faro e Albufeira, aliás, foram as cidades que mais sentiram o abalo, numa intensidade máxima III/IV (escala de Mercalli modificada).

Mas este sismo, que segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) quase passou desapercebido pela população, não está nem de longe ao nível dos mais letais já registados no Algarve.

O sul do país está particularmente exposto devido não só aos sismos interplacas, mas também à presença de falhas ativas que atravessam esta região, nomeadamente as de Portimão, Quarteira e Faro-Loulé.

O grande abalo do século XX

O sismo de 1969, o mais forte a atingir Portugal no século XX, ainda está na memória dos mais velhos, tendo os municípios de Vila do Bispo, Bensafrim, Portimão e Aljezur sido as zonas do país mais afetadas. O evento aconteceu na madrugada de 28 de fevereiro desse ano, estando o seu epicentro registado a cerca de 200 km de Sagres.

O abalo foi violentíssimo, atingiu os 7,9 na escala de Richter e vitimou pelo menos 13 pessoas, com várias construções arruinadas, especialmente no sul do país.

Embora com grande poder destruidor, este não foi pior o terramoto com epicentro na região algarvia. Para encontrarmos relatos sobre o maior sismo de sempre sentido no Algarve, teremos de recuar mais de 300 anos para chegar à data de 27 de dezembro de 1722. Faltavam ainda 33 anos para o Grande Terramoto de Lisboa, em 1755, quando o Algarve viveu um dos momentos mais trágicos da história da sua sismografia.

A dimensão sobre o número de vítimas e de estragos ainda hoje está por avaliar. Estudos recentes de risco sísmico e zonamento de danos potenciais apontam para um panorama de 12 mil mortos se um sismo igual ao de 1722 ocorresse agora.

Destruição maciça de Tavira a Loulé

Sentido por volta das seis da tarde, o abalo provocou um enorme rasto de destruição de Tavira a Loulé.

“Arruinaram-se algumas Igrejas, Conventos, torres, muralhas e inumeráveis casas, que ou ficaram totalmente caídas, ou abertas e inabitáveis”, descreve uma crónica da época atribuída a um franciscano do Convento dos Frades Franciscanos de Tavira.

Atualmente, a intensidade do terramoto está avaliada como de grau IX na escala de Mercali, mas as investigações não são unânimes nas estimativas sobre o local do epicentro. Há teorias que indicam a origem no mar, mas as hipóteses mais consensuais apontam para uma zona sensivelmente a noroeste de Tavira.

O mais certo, segundo os especialistas, é o sismo de 1722 ter sido provocado por um fenómeno designado por diapirismo (a ascensão tectónica de rochas pouco densas sob elevada pressão).

Na sequência de poderosas ondas sísmicas – que posteriormente foram estimadas em 7,8 na escala de Richter – a então vila de Loulé foi dizimada. Entre os relatos impressionantes documentados na investigação da Universidade de Coimbra, consta a fuga das águas do rio Gilão/Séqua, em Tavira, que secou em poucos minutos, dando origem, logo a seguir, a um tsunami que engoliu várias embarcações apanhadas desprevenidas.

Cidade de Faro
O sismo desta segunda-feira teve o epicentro a cerca de 75 km a sul de Faro e uma magnitude de 4,4 na escala de Richter. Foto: Winniepix, via Flickr/domínio público

O sismo de 27 de dezembro de 1722 estará, certamente, na história da sismografia portuguesa como entre os mais letais. A falta de registos, todavia, deixa muitas incertezas sobre a sua real dimensão. O Terramoto de 1755, ocorrido três décadas mais tarde, irá relegá-lo injustamente para um plano mais secundário.

Referências da notícia

Baptista, M., Miranda, J., Lopes, Fernando Luís, Joaquim. The source of the 1722 Algarve earthquake: evidence from MCS and Tsunami data. Universidade de Coimbra.

Apreciação do Risco Sísmico no Algarve. Instituto Superior Técnico. Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve.