Sul de Madagáscar enfrenta a pior seca dos últimos 40 anos
Mais de um milhão de madagascarenses já passa fome, com alguns a sobreviver apenas de insetos e raízes selvagens, num momento em que o país enfrenta a pior seca dos últimos 40 anos. A ONU apela urgentemente ao apoio internacional.
O Sul de Madagáscar está em crise, com mais de um milhão de pessoas a enfrentar uma grave insegurança alimentar, num momento em que a região sofre a sua pior seca em quatro décadas. O Programa Alimentar Mundial (WFP) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) pedem o auxílio da comunidade internacional, advertindo que 14.000 pessoas enfrentam a fome.
No espaço de alguns meses, a situação piorou "de forma exponencial", disse Theodore Mbainaissem, chefe do escritório Ambovombe do WFP no sul de Madagáscar. A situação é de tal forma crítica que atingiu o estatuto de “catástrofe” de acordo com o índice Integrated Food Security Phase Classification. Partes da população nas áreas mais a sul da ilha têm recorrido ao consumo de insetos, raízes selvagens e uma mistura de barro branco com sumo de tamarindo.
A crise está a atingir de forma mais dura as crianças, que não estão a receber os nutrientes necessários para se desenvolverem adequadamente. Nalgumas aldeias, ocorreram dezenas de mortes.
Motivos para esta crise alimentar sem precedentes
Em cinco dos últimos seis anos a precipitação registada situou-se abaixo da média na parte sul do país. Desde 1981 que não se assistia a uma situação de seca meteorológica tão grave, sendo que nos últimos três anos só tem vindo a deteriorar-se. Prevê-se que este ano a colheita de arroz, milho, mandioca e leguminosas seja inferior a metade da média de cinco anos, de acordo com o PAM e a FAO.
Espera-se que as alterações climáticas aumentem a frequência de eventos meteorológicos extremos em Madagáscar, tais como secas no sudoeste e ciclones no sudeste do país. O Sul do país é mais vulnerável ao aumento das temperaturas, à redução da precipitação na estação seca e ao aumento da variabilidade na distribuição da precipitação - uma combinação que contribui para os desafios da segurança alimentar.
Refugiados do clima
O Madagáscar possui uma das mais elevadas taxas de pobreza do mundo e está classificado como a quarta nação mais vulnerável aos impactos climáticos no Índice Global de Risco Climático de 2020. Cerca de 80% dos seus 28 milhões de pessoas vivem em áreas rurais, dependendo da agricultura de subsistência e da chuva para sobreviver.
No ano passado, os ribeiros, rios e pequenas barragens construídas para irrigação secaram. Aqueles que conseguiram plantar mandioca e batata estão a desenterrá-los mais cedo, desesperados por alimentos ou um rendimento à medida que os preços no mercado sobem. Em algumas áreas, a invasão de gafanhotos tem destruído campos de milho.
Outros problemas como vários anos de desflorestação e erosão do solo aceleraram a desertificação das terras, empobrecendo-as e tornando-as inférteis o que retira nutrientes e qualidade aos alimentos, interferindo também na sua quantidade. No início de 2021, tempestades de areia sem precedentes varreram grandes áreas de terras agrícolas, cobrindo os campos com areia e impedindo o crescimento de sementes, contribuindo para aquilo que os agricultores descrevem como um cenário quase apocalíptico.
A combinação de solos secos, temperaturas elevadas provocadas pelas alterações climáticas e desflorestação podem ter contribuído para todo este cenário de crise, transformando os malgaxes em refugiados climáticos.
Ajuda da ONU ainda é insuficiente
Desde outubro do ano passado, o Governo de Madagáscar e o Programa Alimentar Mundial têm distribuído alimentos, tais como arroz, leguminosas e óleo vegetal a cerca de 750.000 pessoas, bem como alimentos terapêuticos para combater a desnutrição em crianças e mulheres grávidas.
Mas Mbainaissem disse que os recursos das agências das Nações Unidas não foram suficientes para dar vazão à crescente procura de assistência numa altura em que a ajuda humanitária está a ser atrasada pelas restrições Covid-19 e a interrupção de todos os voos para o país. O PAM apelou à comunidade internacional para mobilizar 74 milhões de dólares
para evitar uma catástrofe durante os próximos seis meses.