Sintra esconde um tesouro — e poucos têm o privilégio de o conhecer
Entre o mar e a serra, a Capela de São Mamede é um segredo bem guardado. Atenção, porque só quem sabe o momento certo pode descobri-lo.

Temos uma sugestão para voltar aos seus passeios por Portugal e aproveitar os primeiros raios de sol livres de aguaceiros.
Se gosta de descobrir os recantos mais misteriosos e invulgares de Portugal, então a Capela de São Mamede, situada entre Janas e Fontanelas, em Sintra, merece a sua atenção. Mas prepare-se: visitar este pequeno tesouro é um verdadeiro privilégio, já que as portas só se abrem ao público dois dias por ano.
A exclusividade da visita e o caráter enigmático da capela
Construída provavelmente no século XVI (ou até antes), a Capela de São Mamede destaca-se por um detalhe arquitetónico raro em Portugal: a sua planta circular. A estrutura simples e caiada de branco faz lembrar um pombal, reforçando o seu charme peculiar — e levantando até questões sobre as influências que moldaram a sua construção.
O edifício é complementado por um alpendre voltado a sul, e o conjunto é envolvido por um cenário que mistura a imponência da serra de Sintra com a brisa atlântica que chega do mar.
A própria localização isolada da capela — num outeiro de areia entre o mar e a serra — reforça o seu carácter místico. Esta área foi habitada desde tempos pré-históricos, como comprovam os vestígios arqueológicos encontrados nas imediações, incluindo artefactos que remontam ao período romano.

Há até quem acredite que a capela foi construída sobre um antigo templo romano dedicado a Diana, a deusa da caça, devido à orientação do edifício e à simbologia ligada ao ciclo da natureza. No entanto, os estudos mais recentes sugerem que a capela terá sido erguida sobre uma construção cristã mais antiga, possivelmente do século IX ou XII, o que a liga diretamente à consolidação do cristianismo na Península Ibérica.
Curiosamente, o formato circular da capela e o uso de colunas renascentistas têm levado alguns especialistas a atribuir o projeto a Francisco de Holanda, um dos mais importantes artistas e arquitetos do Renascimento português, conhecido pela sua ligação às correntes italianas da época. Ainda que esta ligação não esteja comprovada, a influência renascentista na estrutura é evidente — e não passa despercebida a ninguém.
Aliás, desde 2014, a capela está classificada como Monumento de Interesse Público, não só pelo seu valor arquitetónico, mas também pelo significado cultural e religioso que carrega. É que a devoção a São Mamede na região é antiga, estando ligada à proteção dos animais e à atividade agrícola.
Uma história envolta em mistério e fé
Diz a lenda que São Mamede foi atirado às feras num circo romano, mas os animais, em vez de o atacarem, ajoelharam-se a seus pés. Daí a sua fama como protetor do gado e dos pastores.
No ponto alto das celebrações, os agricultores conduzem o seu gado em três voltas rituais em torno da capela, no sentido contrário aos ponteiros do relógio, enquanto oferecem azeite, cereais e cera. Em troca, recebem fitas coloridas benzidas, que colocam nos pescoços ou nos cabrestos dos animais como símbolo de proteção divina. É um momento de fé, cultura e comunhão com a natureza.

É precisamente durante estas festividades que a capela abre ao público. Este é um dos poucos momentos em que é possível visitar o interior do edifício e participar nos rituais de devoção.
Como visitar (se tiver sorte)
A visita à Capela de São Mamede é um privilégio raro. É um daqueles segredos que Sintra guarda com zelo, e que só revela a quem souber esperar pelo momento certo.
Para quem deseja assistir à bênção dos animais ou simplesmente admirar a capela por dentro, é necessário acompanhar de perto o calendário das celebrações religiosas na região de Sintra.
Se não conseguir visitar a capela por dentro, vale a pena explorar os arredores. A paisagem que envolve a capela é pontuada por trilhos naturais que oferecem vistas magníficas sobre o campo e o oceano. E quem sabe — talvez o simples ato de se sentar junto à capela, enquanto ouve o vento e o canto das aves, já seja uma forma de comunhão com o espírito de São Mamede. Afinal, alguns segredos sabem melhor quando não se revelam por completo.