Segredos de espionagem e ouro nazi: a estação abandonada que renasceu como hotel de luxo

Foi um ponto de fuga para judeus, de espionagem e de tráfico de ouro na Segunda Guerra Mundial. Agora, a estação de Canfranc é um hotel de luxo.

Estação ferroviária de Canfranc
É impressionante. Foto: Barcelo.com

Há lugares que parecem ter saído de um filme — e a estação ferroviária de Canfranc é um deles. Situada nas montanhas dos Pirenéus, na região de Aragão, em Espanha, esta estação foi inaugurada em 1928 com pompa e circunstância, mas o seu percurso ao longo do século XX foi tudo menos tranquilo.

Depois de décadas ao abandono, renasceu recentemente como um luxuoso hotel de cinco estrelas. Prepare-se para uma viagem no tempo, com uma boa dose de charme e história à mistura.

O "Titanic das Montanhas"

Quando abriu portas, Canfranc era uma verdadeira obra-prima da engenharia ferroviária. Com 240 metros de comprimento, três andares e 156 portas, era a segunda maior estação ferroviária da Europa.

A sua inauguração contou com a presença do rei de Espanha, Alfonso XIII, e do presidente francês, Gaston Doumergue — prova da importância estratégica da estação na ligação entre França e Espanha. Nesse momento, ninguém imaginava que, anos depois, seria deixada ao abandono.

A arquitetura, assinada por Fernando Ramírez Dampierre, revela uma clara influência francesa: telhados de ardósia, uma grande cúpula central e detalhes elegantes que remetem para as estações ferroviárias do século XIX. Não deixava espaço para dúvidas: era imponente, sofisticada e, com os Pirenéus como pano de fundo, simplesmente deslumbrante.

Não foi por acaso, aliás, que ganhou o apelido de "Titanic das Montanhas" — pela sua grandiosidade e pelo destino trágico que acabaria por enfrentar.

Segredos e sombras da Segunda Guerra Mundial

Durante a Segunda Guerra Mundial, Canfranc foi palco de acontecimentos dignos de um enredo de espionagem. Antes da ocupação nazi, a estação foi um ponto de fuga para centenas de judeus que tentavam escapar ao regime de Hitler, com destino a Lisboa e, daí, para os Estados Unidos. Entre os fugitivos, contavam-se figuras como os pintores Max Ernst e Marc Chagall.

“No entanto, os nazis tomaram o município de Canfranc em novembro de 1942 e mantiveram o seu controlo até junho de 1944”, nota a ‘CNN’. “A fuga através de Canfranc tornou-se mais difícil e a estação tornou-se o local de muitas detenções.”

Estação ferroviária de Canfranc
Hoje é um hotel de luxo. Foto: Barcelo.com

Sob o controlo nazi, a estação tornou-se um ponto estratégico para o tráfico de ouro — estima-se que mais de 100 toneladas de ouro nazi tenham passado por Canfranc entre 1942 e 1943. Também serviu como ponto de passagem para agentes secretos e mensagens entre os Aliados e a Resistência Francesa.

“Mesmo depois da ocupação nazis, a linha continuou a funcionar normalmente durante mais 20 anos e até chegou a servir de cenário para as gravações do filme “Doutor Jivago”, em 1965”, escreve a revista ‘NiT’.

Durante décadas, foi um paraíso para fotógrafos e exploradores urbanos, fascinados pelo seu charme decadente.

Em 1970, porém, o fim chegou de forma abrupta. O descarrilamento de uma locomotiva destruiu uma ponte do lado francês da fronteira, e o governo de França decidiu não reconstruí-la. A estação fechou, e Canfranc ficou entregue à passagem do tempo.

O renascimento de um ícone

O destino de Canfranc mudou em 2013, quando o governo regional de Aragão decidiu adquirir o edifício e devolvê-lo à vida. Em parceria com o grupo Barceló, iniciou-se um ambicioso projeto de restauro, que manteve a essência histórica do espaço, ao mesmo tempo que o transformou num hotel de luxo.

Em janeiro de 2023, o Canfranc Estación, da Royal Hideaway Hotel, abriu finalmente as portas — e tem encantado os hóspedes com a sua combinação única de tradição e modernidade. “Os fãs dos caminhos de ferro e de história têm oficialmente um novo destino na sua lista de desejos”, garante a ‘CNN’.

O trabalho dos arquitetos Joaquín Magrazó e Fernando Used respeitou os traços originais da estação, recuperando o esplendor da década de 1920, com uma estética Art Déco que combina tradição e modernidade.

O hotel conta com 104 quartos, incluindo quatro suítes, cada uma com o nome de figuras históricas ligadas à estação, como Albert Le Lay, o chefe da alfândega que ajudou refugiados a escapar dos nazis. A decoração é sofisticada, inspirada nos tons naturais dos Pirenéus e nos detalhes arquitetónicos da época.

A oferta gastronómica é outro ponto forte. O hotel tem três restaurantes, um deles com estrela Michelin, liderado pelo chef Eduardo Salanova. O Expresso Canfranc destaca-se por estar localizado numa antiga carruagem do início do século XX, enquanto o 1928 serve pratos franceses numa carruagem restaurada. Há ainda um bar de cocktails dentro de uma biblioteca — o cenário perfeito para terminar o dia com estilo.

Estação ferroviária de Canfranc
Um espaço cheio de história. Foto: Barcelo.com

Se o plano envolve relaxar, a área de bem-estar é irresistível: piscina aquecida, spa e massagens terapêuticas garantem momentos de puro descanso. E, claro, no inverno, os hóspedes podem aproveitar as famosas pistas de esqui de Candanchú, a poucos minutos de distância.

Entre o passado e o futuro

Canfranc já recebeu vários prémios desde a sua reabertura, incluindo o National Geographic Awards 2024 na categoria de "Melhor Hotel em Ambiente Natural de Espanha". Agora, está nomeado para os Condé Nast Traveler Spain Awards 2025 como "Melhor Hotel de Neve".

O preço por noite começa nos 215€, o que não é propriamente barato — mas, considerando que está a dormir num pedaço de história, talvez o valor faça todo o sentido. Canfranc conseguiu aquilo que poucos lugares conseguem: preservar o passado sem sacrificar o conforto moderno.