“Se não tivesse bebido tanto, ainda aqui estaria." Neste cemitério não há cores sombrias nem epitáfios melancólicos
Quando pensamos em viajar, procuramos explorar museus, igrejas, prédios históricos ou até alguns restaurantes. Mas, já pensou em visitar cemitérios famosos? Na Roménia, há um que o vai deixar fascinado.
Cemitérios são aqueles locais que poucos pensam explorar. Uma visita acontece por mera necessidade (e infelicidade) — e quanto menos tempo durar, melhor. Afinal, estão são lugares tristes e melancólicos. Ou será que não?
Na Roménia, não. Na pequena cidade de Săpânța, na região da Maramureș, há um cemitério conhecido por ser o mais feliz do mundo. Já conhece o Merry Cemetery? O nome diz tudo ("Cemitério Alegre", em tradução livre).
“Chamam-lhe turismo cemiterial, também conhecido como turismo negro, e está a tornar-se numa tendência que atrai cada vez mais pessoas. Para uns, estes jardins de sepulturas são meros lugares mórbidos, enquanto para outros são verdadeiros museus com um enorme património artístico e arquitetónico para explorar”, escreve a revista 'NiT'. É o que acontece no Merry Cemetery.
"O Merry Cemetery é mais uma atração turística a céu aberto do que um cemitério, e a natureza realista dos romenos deixa os visitantes a rir diante da morte. Brincalhão, histórico e escondido, esta joia une a vida e a morte, oferecendo uma visão íntima da verdadeira natureza do país", revela um artigo do 'Good Net'.
Esqueça frases como "descanse em paz". As mais de 800 cruzes de madeira carregam histórias de vida, das mais embaraçosas às mais felizes, ou contam mesmo como aconteceu o momento do óbito. E tudo começou graças a um único homem: Stan Ioan Pătraș, um artista popular e escultor que, nos anos 30, decidiu dar uma nova cara ao descanso eterno.
O início da tradição
Stan Ioan Pătraș, nascido (em 1908) e criado nesta cidade da Roménia, tinha apenas 14 anos quando começou a esculpir cruzes de carvalho para o cemitério local. “Mais tarde, em 1935, teve a ideia de fazer poemas inteligentes ou irónicos sobre a pessoa que morreu, escritos propositadamente com erros gramaticais”, de forma a refletir o dialeto local.
Estes poemas eram colocados nas cruzes de madeira pintadas com cores vibrantes. “Por vezes retratava até o momento da morte, um soldado que foi decapitado ou um morador que foi atropelado”, acrescenta a 'NiT.
Normalmente, Stan Ioan Pătraș usava o azul brilhante, conhecido agora como "azul de Săpânța", um tom celestial que domina o cemitério e que cria uma atmosfera quase mágica. Mas o verdadeiro toque de mestre foram os epitáfios humorísticos e, muitas vezes, sinceros até demais.
“Ioan Toaderu amava cavalos. Mas do que ele gostava mesmo era de sentar-se na mesa num bar, ao lado da mulher de outras pessoas”, escreveu numa das cruzes sobre o “famoso bêbado da cidade”. Na imagem do túmulo aparece um esqueleto preto a arrastá-lo para baixo enquanto está a beber.
"Aqui jaz eu, o fulano Mihai. No mundo vivi 50 anos. Se eu não tivesse bebido tanto vinho, ainda estaria por aqui", lê-se noutra.
Outro epitáfio interessante é o de uma mulher que, aparentemente, não tinha a melhor das relações com a sogra. "Sob esta pesada cruz jaz a minha pobre sogra. Se tivesse vivido mais três dias, eu repousaria e ela leria isto."
Estes textos, esculpidos com delicadeza e um humor negro aguçado, são uma forma de recordar que, mesmo na morte, há espaço para celebrar as pequenas (ou grandes) imperfeições humanas.
É quase uma espécie de crónica visual da vida de uma comunidade rural, com cenas pitorescas da vida quotidiana e a cultura de Săpânța.
A expansão da tradição
“O romeno esculpiu, escreveu poemas e pintou centenas dessas obras-primas de arte popular ao longo de 40 anos. Só no fim da sua vida, no início dos anos 1970, é que o ‘cemitério alegre’ foi descoberto pelos estrangeiros”, informa a ‘NiT’.
Mas não pense que tudo terminou por aí. Depois da morte de Stan Ioan Pătraș, em 1977, a tradição não acabou. O seu aprendiz, Dumitru Pop Tincu, continuou o trabalho do mestre, criando novas cruzes e mantendo viva esta forma única de honrar os mortos. Hoje, o cemitério conta com mais de 800 lápides coloridas, cada uma com a sua própria história.
“Apesar dos tons sombrios, mas cómicos, das cruzes, Pop, que morreu em 2022, disse que nunca ninguém reclamou do seu trabalho.”
Património cultural
Escondido num pequeno vale, o Merry Cemetery atrai milhares de turistas de todo o mundo, sendo considerado um dos mais importantes patrimónios culturais da Roménia. E não nos surpreende. Afinal, é um espaço que desafia a visão tradicional e ocidental da morte, oferecendo uma perspetiva mais leve e alegre, onde a vida é recordada com carinho e até com um sorriso.
“Uma cruz destas custa entre 300€ a 900€, uma grande quantia numa vila onde há pouco trabalho, além de vender souvenirs. O padre local, Grigore Lutai, monopolizou o cemitério e vende bilhetes na entrada (apenas 1€). Todo o dinheiro é para a paróquia.”
Hoje, a celebração da morte na Roménia continua não apenas entre as cruzes do Merry Cemetery, mas também num festival de música e dança que acontece em agosto. Este Festival das tradições de Maramures é repleto de música folclórica e trajes estampados, violinos a tocar e saias a girar.
Ao longo de dois dias de festa, os artesãos locais exibem os seus trabalhos, há uma degustação infinita de queijos, e vários artistas convidados chegam de outros países para subir ao palco e apresentar as suas interpretações dos epitáfios do cemitério.