Revolução na segurança alimentar: biossensor português deteta toxinas em peixes e mariscos ainda no alto-mar

A Universidade do Minho desenvolveu um dispositivo portátil que dispensa testes em laboratório e pode ser usado pela indústria pesqueira. A inovação combate não só alergias e intoxicações, como também o desperdício alimentar.

José Pedro Rocha investigador da Universidade do Minho
José Pedro Rocha liderou a investigação que conduziu ao primeiro biossensor do mundo capaz de identificar toxinas altamente perigosas para a saúde humana. Foto: Universidade do Minho

Uma equipa de investigadores da Escola de Ciências da Universidade do Minho, sob a liderança do bioquímico José Pedro Rocha, desenvolveu um sensor eletroquímico para detetar e quantificar toxinas e alérgenos presentes em peixes e frutos do mar.

O dispositivo promete uma revolução na segurança alimentar, permitindo realizar análises diretamente no local sem precisar de laboratórios especializados.

O consumo de peixe e marisco, em Portugal, é uma tradição enraizada, com benefícios nutricionais essenciais na dieta alimentar. Estima-se que, em média, os portugueses consumam anualmente cerca de 10 kg a 15 kg de frutos do mar por pessoa. O consumo de peixe, por seu turno, ronda os 56 kg/per capita/ano, mais do dobro da média na União Europeia.

No que diz respeito ao valor nutricional, uma porção de 150 gramas de peixe fornece entre 50% e 60% da proteína diária para um adulto, além de ácidos gordos ómega-3 (EPA e DHA), selénio, iodo, fósforo e vitaminas D, B1 e B12.

Riscos de alergias e intoxicações

A sua ingestão, contudo, pode representar riscos, como alergias e intoxicações alimentares. A parvalbumina, o principal alergénio do peixe, e a tetrodotoxina, uma das neurotoxinas mais perigosas, estão entre os maiores perigos associados ao consumo de pescado e frutos de mar.

montra de peixe e marisco
Com a subida da temperatura do mar, as intoxicações alimentares causadas por peixes e marisco contaminados têm sido uma preocupação crescente das autoridades europeias. Foto: domínio público, via Pixabay

As intoxicações alimentares causadas por peixes contaminados é um dos pontos que tem, inclusive, suscitado preocupação por parte da Agência Europeia do Ambiente (AEA). O aumento da temperatura das águas e a poluição, entre outros fatores, podem libertar contaminantes nas águas, com impactos significativos na saúde humana.

Essa é uma das razões que levou a AEA a ter já alertado a União Europeia para robustecer as medidas de segurança alimentar.

Atualmente, os métodos analíticos tradicionais para detetar e quantificar esses compostos nestes alimentos, embora eficazes, são considerados altamente dispendiosos e pouco práticos para análises de rotina.

Tecnologia única no mundo

O novo sensor eletroquímico da Universidade do Minho foi desenvolvido precisamente com o intuito de ultrapassar os desafios que o setor da pesca enfrenta para garantir a segurança alimentar. O aparelho é o único no mundo com uma tecnologia de reconhecimento capaz de identificar a toxina tetrodotoxina (TTX), um veneno extremamente perigoso, que é 100 vezes mais tóxico do que o cianeto.

Para se ter uma ideia de como funciona, o bioquímico José Pedro Rocha dá o exemplo do mexilhão. O pescador pode recolher somente meia dúzia de espécimes e analisar, com o sensor, a presença da toxina. Se o resultado for positivo, a captura é suspensa e retomada noutro local.

O dispositivo pode ainda ser adaptado para detetar alergénios, como a parvalbumina, a principal proteína alergénica presente em várias espécies de peixe.

Semelhante aos aparelhos utilizados no controlo da glicose em diabéticos, o novo biossensor destaca-se pelo seu baixo custo, rapidez na análise e, não menos importante, flexibilidade para ser facilmente transportado.

São estas as características que levam os investigadores do Minho a acreditar que o biossensor tem tudo para se tornar numa ferramenta prática e indispensável no dia-a-dia dos operadores da indústria pesqueira.

Vista aérea de barco e rede de pesca
O biossensor português permite identificar rapidamente toxinas e alergénios na própria embarcação, evitando a captura desnecessária de peixe e marisco. Foto: Nghĩa Đặng/Pixabay

A tecnologia permite, desde logo, realizar testes em qualquer local, nas embarcações, ou nas instalações de processamento. A sua versatilidade poderá, deste modo, facilitar a tomada de decisões imediatas. Em caso de deteção de toxinas ou alergénios, será possível interromper de imediato a captura em massa, prevenindo o desperdício alimentar e a utilização recursos desnecessários.

Este avanço foi desenvolvido em colaboração com o Laboratório de Análises Químicas e de Biotecnologia (LAQV/REQUIMTE, Polo GRAQ) e a Faculdade de Química da Universidade de Vigo (Espanha). O dispositivo já está pronto para ser patenteado, podendo, por isso, vir a representar um importante passo para a segurança alimentar no setor pesqueiro.

Referências da notícia

Centro de Química da Escola de Ciências da UMinho. Investigadores da Escola de Ciências criam sensores eletroquímicos para detetar toxinas e alergénios no peixe e frutos do mar. Universidade do Minho

European Environment Agency. Healthy seas, thriving fisheries: transitioning to an environmentally sustainable sector.