Quarenta cientistas de 12 países, incluindo Portugal, unem esforços para proteger o maçarico-de-bico-direito
Inverter o declínio desta ave migratória implica uma cooperação transfronteiriça para estudar o seu habitat em mais de mil zonas húmidas de 46 países da Europa e de África.
Se estiver pela região de Lisboa, nesta ou nas próximas semanas, aproveite a oportunidade e passe algumas horas na Reserva Natural do Estuário do Tejo. Com um pouco de sorte e um par de binóculos, é bem provável que consiga avistar alguns bandos de maçaricos-de-bico-direito.
Mais de 50 mil maçaricos-de-bico-direito escolhem o estuário do Tejo para passar o inverno. Pertencem sobretudo a populações oriundas de duas subespécies. A Limosa limosa islandica nidifica principalmente na Islândia, passando os meses mais frios do ano no sul da Inglaterra, na costa atlântica de França e na Península Ibérica.
A Limosa limosa limosa, por seu turno, opta pela Europa Central, entre Inglaterra, Países Baixos e Rússia para fazer os seus ninhos, voando depois para Portugal e Espanha a caminho da Mauritânia, Senegal, Guiné-Bissau, entre outros países da África Ocidental.
Voos migratórios ameaçados
Há pouco mais de duas décadas, ambas as populações atingiam mais do dobro no estuário do Tejo. O maçarico-de-bico-direito está, por isso, em declínio acelerado e só conhecendo as ameaças que enfrentam ao longo da sua migração, poder-se-á perceber o que fazer para o proteger.
Esse foi o grande objetivo que reuniu 40 cientistas de 12 países em torno do maçarico-de-bico-direito. Compreender a magnitude da sua migração exige um esforço internacional, que, em Portugal, recaiu numa equipa do CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Num artigo publicado recentemente pela revista científica Journal of Applied Ecology, os investigadores traçaram o mapa migratório desta espécie. Usando aparelhos GPS e mais de 26 mil observações através de câmaras e telescópios, os cientistas conseguiram desmontar uma complexa teia que liga esta ave limícola a mais de mil zonas húmidas distribuídas por 46 países.
Lugares distantes interligados
A sua rota, no Atlântico Este, começa na Islândia, onde nidifica, continua por outros países do Norte da Europa, e termina no continente africano.
Os investigadores já desconfiavam que a rota do Atlântico Este apresentava uma grande complexidade, mas só agora perceberam a sua dimensão. Mais do que simples pontos a unir os habitats desta espécie, o mapa migratório do maçarico-de-bico-direito representa, segundo os autores do estudo, uma “conectividade ecológica” que assegura a conservação da biodiversidade em grande parte do nosso planeta.
Significa isto que a gestão de uma determinada zona húmida pode ter repercussões na biodiversidade das outras 999 áreas com as quais mantém estreitas ligações através dos movimentos das espécies migratórias.
A ausência de proteção, a expansão urbana, a intensificação agrícola, o aumento do número de predadores ou as alterações climáticas num único local podem ter efeitos em cadeia em populações de aves distantes entre si.
Coordenar estratégias para evitar a extinção
Inverter o declínio e assegurar a sobrevivência do maçarico-de-bico-direito e de outras espécies migratórias exige, portanto, cooperação internacional, independentemente dos desafios distintos que cada região enfrenta.
É preciso concertar estratégias de conservação que atravessem fronteiras para evitar o mesmo destino do seu parente mais próximo: o maçarico-de-bico-fino (Numenius tenuirostris) está em vias ser a primeira espécie de ave do território continental europeu a ser declarada extinta em cerca de 500 anos.
Avistado pela última vez em 1995, em Marrocos, os investigadores não têm tido sucesso nos seus esforços para encontrar indícios da espécie que, no inverno, atravessava o delta do Danúbio, sobrevoava os países balcânicos, passava pelo sul de Itália e chegava a Marrocos para passar os meses mais frios do ano.
Desafios distintos e efeitos em cadeia
Os passos seguintes desta investigação dependem, por isso, do conhecimento aprofundado sobre os riscos que o maçarico-de-bico-direito enfrenta em cada um dos locais que fazem parte da sua rota migratória.
O intuito passa por estudar como essas ameaças estão a comprometer os habitats e a biodiversidade de outros sítios conectados.
Ao entender as razões do declínio nas populações de maçaricos-de-bico-direito no estuário do Tejo, por exemplo, os investigadores poderiam antecipar os perigos que ameaçam as outras zonas húmidas da Europa e de África.
A mesma abordagem poderá ser ainda aplicada a outras aves migratórias igualmente em declínio. Bem vistas as coisas, a lógica por detrás deste raciocínio não surpreende. A natureza, do qual todos fazemos parte, é, acima de tudo, uma cadeia de elos profundamente ligada entre si.
Referências da notícia
Martin Beal, Josh Nightingale, João R. Belo, Chris Batey, Heinrich Belting, Jennifer A. Gill, Lynda Donaldson, et al. Identifying site-level connectivity from multiple sources, such as movement data, informs the conservation of migratory birds. Journal of Applied Ecology.
Graeme M. Buchanan, Ben Chapple, Alex J. Berryman, Nicola Crockford, Justin J. F. J. Jansen, Alexander L. Bond. Global extinction of Slender-billed Curlew (Numenius tenuirostris). Ibis - International Journal of Avian Science