Previsão aponta para que El Niño contribua para a insegurança alimentar global
O evento El Niño deste ano, que deverá continuar a ganhar força até ao final de 2023, antes de se dissipar em meados de 2024, deverá contribuir para elevados níveis de insegurança alimentar em certas regiões do globo.
O El Niño em curso está a perturbar duramente os padrões de precipitação em todo o planeta, com consequências mistas para a produção de alimentos. Prevê-se que o excesso de chuva em alguns locais, e o insuficiente noutros, afete o rendimento das colheitas e deixe 110 milhões de pessoas necessitadas de assistência alimentar, segundo a Famine Early Warning Systems Network (FEWS NET).
Esta rede, fundada em 1896 pela USAID, a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos, surgiu como resposta à fome devastadora na África Oriental e Ocidental e a uma necessidade crítica de um melhor e mais precoce alerta melhor sobre potenciais crises de segurança alimentar.
A FEWS NET desenvolve cenários de como os défices ou excedentes de precipitação regionais podem afetar o rendimento das colheitas e, por sua vez, a segurança alimentar, e usam esta informação para apoiar a USAID na compreensão da assistência alimentar e necessidades humanitárias. Este trabalho é especialmente importante em regiões onde muitas pessoas dependem do cultivo das suas próprias culturas para satisfazer as suas carências diárias.
Características, impactos e implicações
O El Niño é um fenómeno climático natural irregular caracterizado pelo aumento das temperaturas da superfície do mar no Oceano Pacífico tropical central e oriental e que tem afetações a nível planetário. Este aquecimento cíclico das águas superficiais perturba a circulação atmosférica de uma forma tal, que altera os padrões de precipitação globais.
Os impactos negativos do El Niño são normalmente mais fortes nas áreas do sudeste de África, incluindo no Zimbabué, sul da Zâmbia, sul e centro de Moçambique e nordeste da África do Sul. Este ano, a FEWS NET prevê condições severamente secas, em Dezembro, em partes de Angola, Namíbia, Botswana, Zimbabué e Moçambique.
Durante os últimos anos, com um El Niño moderado a forte, estas áreas receberam, frequentemente, chuvas abaixo do normal e temperaturas diurnas acima da média durante os principais meses da estação de crescimento das colheitas.
Estas condições, pela sua irregularidade, também deixam, estes e outros países, impreparados para eventos meteorológicos de precipitação intensa. Recentemente, na Somália, o El Niño, que alimentou a forte precipitação, obrigou a que mais de 113 mil pessoas tivessem de abandonar as suas casas, segundo o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU (OCHA, na sigla em inglês).
A magnitude dos efeitos do El Niño sobre a precipitação varia notavelmente de um evento El Niño para outro, dependendo, sobretudo, das anomalias específicas na temperatura da superfície do mar e no comportamento atmosférico.
O evento deste ano deve continuar, até ao final de 2023, a ganhar força, antes de, em meados de 2024, se dissipar e, por isso, continuará a contribuir para elevados níveis de insegurança alimentar em muitas regiões do planeta.
Os impactos da fraca pluviosidade e das temperaturas acima da média na produção agrícola, nos preços dos alimentos e na água, no saneamento e higiene, são de maior preocupação nas zonas propensas à seca da África Austral e da América Latina e Caraíbas, bem como nas zonas em recuperação de conflitos na norte da Etiópia.
Para este ano, preveem-se condições mais húmidas no sul dos Estados Unidos e no corno de África e condições mais secas no sul da África, na América Latina, na Austrália e em partes do sudeste da Ásia.
Segundo a FEWS NET, é provável que o El Niño traga baixos rendimentos na produção de milho na África Austral e na América Central devido à seca. Prevê-se que a produção de trigo na Austrália e a produção de arroz no Sudeste Asiático também sejam reduzidas. Em contrapartida, são esperados melhores rendimentos globais na produção de soja.
O milho é a cultura cerealífera mais importante na África Austral e representa quase 70% da produção cerealífera da região. Nos últimos anos do El Niño, a produção de milho no Zimbabué e na África do Sul registou défices médios de 10 a 15% em relação aos rendimentos esperados. Nalguns anos registaram-se défices superiores a 50%, o que levou a aumentos regionais acentuados dos preços dos alimentos. No sul de Madagáscar, as colheitas de milho de 2023 tiveram um desempenho fraco devido à passagem de ciclones e a chuvas irregulares.
Entretanto, espera-se que as precipitações acima da média facilitem a recuperação gradual das secas de três anos em grande parte do corno de África e do Afeganistão.
Globalmente, a FEWS NET prevê que um total de 105 a 110 milhões de pessoas necessitarão de assistência alimentar, pelo menos até ao início de 2024, o que compreende um aumento líquido nas necessidades na África Austral e nas regiões da América Latina e Caraíbas e um declínio líquido nas necessidades na África Oriental.