Porque é que saltar compulsivamente de um vídeo para o outro no TikTok ou no YouTube aumenta o tédio? A ciência explica
Um novo estudo mostra que a propensão para o tédio tem vindo a aumentar nos últimos anos, independentemente dos recursos que temos à nossa disposição. Entenda mais sobre este assunto, aqui.
Saltar constantemente de um conteúdo digital para outro ou para trás e para a frente entre eles tornou-se um comportamento muito comum. Teoricamente, fazemo-lo para nos distrairmos e combatermos o tédio. Se algo não nos entretém o suficiente, passamos simplesmente para o seguinte, e assim por diante. Mas será esta uma forma realmente eficaz de aliviar o tédio?
Vivemos numa era com uma oferta de entretenimento sem precedentes, especialmente no domínio digital. E, paradoxalmente, continuamos tão aborrecidos como antes, se não mais. De facto, alguns estudos mostram que este sentimento aumentou entre os adolescentes nas últimas duas décadas. O que está a acontecer?
Apanhados no ciclo da atenção
O tédio é frequentemente definido como uma experiência frustrante: queremos envolver-nos em algo gratificante, envolvente e que chame a atenção, mas não conseguimos.
A psicologia explora este conceito em profundidade e relaciona-o com os processos de atenção. Nesta perspetiva, é produzido pela atividade de um circuito de atenção. Ou seja, todos nós temos um nível “ideal” de atenção que aspiramos quando nos envolvemos numa atividade, e depois há o nível “real” que experimentamos.
Muitas vezes, os dois estão muito distantes: a atenção que a atividade exige de nós está longe do que queremos alcançar, principalmente porque o nosso nível “ideal” é muitas vezes irrealista.
A consciência de que estamos longe de atingir esse nível é o que gera o sentimento de tédio. E este sentimento aumenta e prolonga-se ao longo do tempo, pois é um mecanismo que funciona em loop. Dizemos a nós próprios: “Estás longe do nível ideal de atenção, faz alguma coisa”. Mas estas tentativas apenas mantêm ou até aumentam a distância.
Fatores como a falta de novidade, significado, autonomia ou desafio aumentam a distância entre o nosso estado atual e o ideal, o que aumenta ainda mais o tédio.
O paradoxo do telemóvel como solução para o tédio
O sentimento em questão está frequentemente associado a sentimentos negativos como a frustração, o vazio e a insatisfação. É visto como algo desagradável e anormal e, por isso, queremos escapar a esse estado.
A necessidade de escapar leva-nos a explorar e a experimentar diferentes alternativas. E uma das mais acessíveis é o telemóvel: tiramo-lo do bolso e temos entretenimento durante muito tempo. Parece o remédio perfeito para o tédio, não é? Bem, a ciência sugere o contrário.
Por exemplo, a utilização de um telemóvel durante o dia de trabalho, nas alturas em que estamos mais cansados e aborrecidos, aumenta de facto a sensação de tédio. Também reduz o prazer das interações sociais no mundo real. Um estudo mostra que ter o aparelho à mão em reuniões com amigos distrai-nos e torna a experiência social menos agradável.
Tudo isto pode parecer contraditório - não era suposto o telemóvel ser a solução para o tédio e permitir-nos ligar a qualquer pessoa, em qualquer lugar?
A armadilha da “comutação digital"
Parece que o culpado não é tanto o telemóvel, mas a forma como o utilizamos. É aqui que entra em jogo o conceito de “comutação digital”, o hábito demasiado comum de mudar compulsivamente de um conteúdo digital para outro.
Uma investigação recente lança luz sobre a relação entre este hábito e o tédio. Em várias experiências, os investigadores colocaram cada participante em duas situações diferentes. Na primeira, podiam entreter-se a ver vários vídeos e tinham a opção de saltar livremente de um para outro durante dez minutos (condição de alternância). Na segunda, só podiam ver um único vídeo durante o mesmo período de tempo (condição sem troca).
Contra-intuitivamente, quando os voluntários podiam alternar entre vídeos, sentiam mais tédio, menos satisfação e menos atenção do que se só pudessem ver um vídeo. Este padrão de resultados repetiu-se quando as condições eram de retroceder e avançar livremente num vídeo (alternar) ou de ser proibido de o fazer (não alternar).
Também foi observado em situações mais naturais, como quando podiam navegar e ver vídeos do YouTube livremente durante dez minutos (alternar) ou ver apenas um vídeo durante o mesmo tempo (não alternar). Em todos os casos, os participantes relataram níveis mais elevados de aborrecimento na condição de troca do que na condição de não troca.
Os autores do estudo sugerem que o ciclo de atenção é responsável por este aumento. Mudamos de um conteúdo digital para outro porque o atual não capta a nossa atenção ao nível “ideal”. Além disso, como temos acesso a um repertório enorme, pensamos que outra opção pode oferecer-nos a dose de atenção que procuramos.
Então, saltamos para o vídeo seguinte e a nossa atenção também salta, desligando-se momentaneamente. O novo conteúdo volta a captar a nossa atenção pausada, mas apenas superficialmente. Depressa nos apercebemos de que também não nos satisfaz e saltamos novamente. E assim por diante.
Este processo volta a alimentar o ciclo atencional: como a atenção que dedicamos a cada vídeo é superficial e é interrompida a cada salto, a distância entre o nosso estado atencional e o ideal mantém-se grande, aumentando assim a nossa frustração e aborrecimento.
Por outro lado, quando não temos a opção de alternar entre conteúdos, a experiência é mais imersiva e conseguimos um maior envolvimento atencional, semelhante a ver um filme no cinema.
Assim, embora os nossos telemóveis nos ofereçam uma oferta quase infinita de entretenimento, não são uma panaceia contra o tédio. Pelo menos, não se não soubermos utilizá-los corretamente. A comutação digital é um hábito que devemos tentar controlar e substituir por outros que privilegiem a imersão e a atenção consciente.
Referência da notícia:
Gu Z., Yang C., Su Q., et al. The boredom proneness levels of Chinese college students increased over time: A meta-analysis of birth cohort differences from 2009 to 2020. Personality and Individual Differences (2024).