“Porque é que os desastres não são naturais?”. Organizações internacionais passam mensagens erradas, advoga UNDRR

Há muito que ouvimos falar de "desastres naturais" nas notícias, por ONGs e outras organizações internacionais (até mesmo por algumas entidades menos informadas). A verdade é que, segundo o UNDRR, a designação de desastre natural não existe. Saiba mais aqui!

desastres vs. perigo
A publicação "Why Are Disasters Not Natural?" alerta para a necessidade de vigor e clareza na linguagem técnica utilizada para identificar as noções de desastre e perigo.

De acordo com uma recente publicação do Gabinete das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR), intitulado "5 razões pelas quais os desastres não são naturais", o rótulo de "natural" minimiza o impacte humano na criação de situações de catástrofe. O documento publicado online desafia, então, a construção da noção de que desastres são eventos inevitáveis, destacando como as ações humanas influenciam a gravidade dos desastres e como as comunidades vulneráveis são afetadas de forma desproporcional.

Porque é que um desastre natural não existe?

O relatório sublinha que uma situação de perigo (natural) por si só não causa desastres. Só quando este(s) perigo(s) cruza(m) o caminho de atividades humanas e de populações vulneráveis é que se transformam em eventos suscetíveis a catástrofes.

O UNDRR releva que as ações humanas como a desflorestação, a urbanização e as infraestruturas inadequadas agravam o impacto de fenómenos como cheias, alagamentos, terramotos e tempestades. Por exemplo, construir em áreas propensas a cheias aumenta a vulnerabilidade a inundações, transformando-se num perigo controlável e num potencial desastre devastador para comunidades próximas de rios.

Além disso, a vulnerabilidade social desempenha um papel crucial na determinação da resiliência face aos perigos naturais. Comunidades marginalizadas, moldadas pela pobreza, desigualdade e exclusão, suportam frequentemente o peso dos desastres devido ao acesso limitado a recursos e a informação.

Desta forma, muitas vezes são forçadas a instalar-se em locais menos privilegiados, pois podem ser os únicos disponíveis ou acessíveis. O relatório “UNU-EHS Interconnected Disaster Risks 2023: Risk Tipping Points” destaca como, após o terramoto de 2021 no Haiti, o impacto na perda de vidas e a devastação foram agravados por condições habitacionais inadequadas e pobreza generalizada, sublinhando o papel da vulnerabilidade social na determinação dos resultados dos desastres.

As consequências decorrentes do terramoto de 2021 no Haiti foram agravadas pelas condições habitacionais, bem como socioeconómicas das comunidades.

Para agravar a situação, as alterações climáticas, causadas em grande parte pela atividade humana, estão a intensificar os riscos de catástrofe. A variabilidade climática, o aumento das temperaturas, a alteração dos padrões de precipitação e a subida do nível do mar contribuem para a frequência e intensidade de fenómenos meteorológicos extremos.

Por exemplo, o furacão Ida, que em 2021 provocou volumes de precipitação recorde em Nova Iorque e causou prejuízos superiores a 75 mil milhões de dólares, tornou-se mais intenso devido às águas oceânicas quentes. Ao reconhecer o papel das alterações climáticas induzidas pela ação antrópica, os decisores políticos podem priorizar melhor os esforços de adaptação e mitigação para reduzir o risco de catástrofes.

As críticas à ONU advogam a necessidade de pensar na prevenção de desastres

O relatório da UNDRR conclui com uma mensagem de esperança: assim como as ações humanas podem causar desastres, também as podem prevenir. As decisões e comportamentos de indivíduos e sociedades moldam a magnitude e o impacto dos perigos. Ao alterarem-se os comportamentos e ações, podemos influenciar diretamente a prevenção da transformação de perigos em desastres, ou minimizar o seu impacto. Também compreender as razões pelas quais os desastres ocorrem ajuda a criar estratégias para abordar as suas causas e identificar soluções a longo prazo.

Esta nova abordagem da UNDRR levanta questões sobre a forma como as organizações internacionais têm vindo a comunicar os desastres. A campanha "Desastres Naturais", frequentemente utilizada pela ONU, está agora a ser alvo de críticas por minimizar o papel humano na criação de situações de catástrofe. Ao rotular um evento como "natural", argumentam os críticos, estamos a absolver as pessoas da responsabilidade de reduzir o risco e a negligenciar as comunidades mais vulneráveis.

Ao invés de nos resignarmos perante um evento catastrófico como um "desastre natural", podemos agir. Podemos reduzir o risco perante perigos através de sistemas de alerta precoce e de planos de segurança. Podemos identificar as populações mais vulneráveis e garantir que recebem proteção especial e, sobretudo, construir habitações e infraestruturas resistentes a terramotos e a fenómenos meteorológicos extremos, protegendo as pessoas para quem são construídas.

É possível também investir na resiliência e estabelecer mecanismos financeiros para reconstruir e quebrar o ciclo vicioso desastre-pobreza. Estas são decisões deliberadas – e a falta de ação é a verdadeira causa dos desastres. Não há nada de "natural" nisto.