“Plastisfera": fungos comedores de plástico podem ser solução para o combate ao desperdício global
Novo estudo publicado no Journal of Hazardous Materials por investigadores do Royal Botanic Gardens, Kew, e parceiros identificou um microbioma diversificado de fungos e bactérias que degradam o plástico nas salinas costeiras de Jiangsu, na China.
Cientistas de vários países do mundo contabilizaram 184 estirpes de fungos e 55 estirpes de bactérias capazes de decompor a policaprolactona (PCL) - poliéster biodegradável normalmente utilizado na produção de vários poliuretanos.
Os microrganismos que degradam o plástico foram recolhidos em maio de 2021 em Dafeng, no leste da China, local protegido pela UNESCO perto da costa do Mar Amarelo. As amostras confirmaram a presença de uma plastisfera terrestre, termo relativamente novo para a ecologia terrestre. O microbioma deste "nicho ecológico criado pelo homem" era constituído por detritos plásticos costeiros distintos do solo circundante.
Fungos e bactérias são vistos como uma ajuda para fazer face a alguns dos desafios mais prementes da era moderna, incluindo a maré crescente da poluição por plásticos. A esperança reside em que as respostas a este problema possam ser encontradas na plastisfera.
Estudo anterior identificou estirpe de fungo que decompunha plástico no Paquistão
Estudo de 2017 realizado por cientistas chineses e paquistaneses identificou uma estirpe do fungo Aspergillus tubingensis que estava a decompor o plástico num aterro sanitário em Islamabad, Paquistão. Descobriu-se que 436 espécies de fungos e bactérias degradam o plástico e acredita-se que as últimas descobertas dos cientistas do RBG Kew podem levar ao desenvolvimento de enzimas eficientes que degradem biologicamente os resíduos de plástico.
Devido à sua longevidade e superfície hidrofóbica, os plásticos nos ecossistemas aquáticos criaram um "recife microbiano" ao qual os fungos e as bactérias se podem fixar. E, certos plásticos biodegradáveis, podem fornecer aos micróbios uma fonte de carbono para metabolizar - uma fonte de alimento. Em Dafeng, foram recolhidas 50 amostras de resíduos plásticos de sete tipos diferentes de polímeros derivados do petróleo: tereftalato de polietileno (PET), poliestireno expandido (EPS), polietileno (PE), poliuretano (PU), poliamida (PA), polipropileno (PP) e cloreto de polivinilo (PVC).
Daqui foram identificados 14 géneros de fungos tais como os fitopatogénicos Fusarium e Neocosmospora. Os fungos fitopatogénicos retiram os seus nutrientes das plantas, mas fazem-no de uma forma que prejudica o seu hospedeiro. Os resultados do estudo indicam que estes fungos podem ser melhores a degradar plásticos PCL e outros polímeros sintéticos do que os fungos saprotróficos - fungos que se alimentam de restos de plantas e animais mortos.
Segundo Druzhinina, a razão pela qual optaram por investigar as comunidades microbianas presentes nos resíduos de plástico deveu-se ao nicho ecológico dos pântanos salgados de Dafeng, com as suas descobertas a revelarem-se “excitantes e promissoras".
Na natureza, os fungos são essenciais para a decomposição da matéria org��nica e na passagem pelo ciclo do carbono. Durante milhões de anos, a capacidade de decompor muitos polímeros complexos e naturais, como a celulose, evoluiu. Assim, as enzimas segregadas pelos fungos são extremamente eficientes na decomposição de compostos orgânicos complexos, incluindo hidratos de carbono e proteínas.
A par dos fungos de Dafeng, houve dois géneros de bactérias, Streptomyces e o recém-descoberto género Jonesia, que mostraram ser candidatos promissores para a degradação do plástico. Em particular, a espécie Jonesia cf. Quinghaiensis dominou as 55 estirpes bacterianas amostradas.
Limitações e potencialidades do estudo
Apesar dos muitos desenvolvimentos interessantes realizados, os autores do estudo avisam que a compreensão dos microrganismos associados ao plástico ainda está nos seus primórdios. Ainda há muitas questões sobre estes nichos ecológicos por responder e algumas limitações na identificação exata das estirpes analisadas permanecem.
Por outro lado, de acordo com Dr. Feng Cai, da Universidade Sun Yat-sen em Shenzhen, China, “O que mais me impressiona é o poder absoluto da diversidade microbiana, especialmente se considerarmos o desafio que é detetá-los; são microscópicos em tamanho, secretos por natureza e simples na aparência. No entanto, quando mudamos a nossa perspetiva e os vemos através de uma lente bioquímica, ganhamos acesso a uma complexidade abundante que aguarda a nossa exploração".
"É verdadeiramente estimulante perceber que mal arranhámos a superfície e que já descobrimos um manancial de recursos potencialmente promissores para tecnologias futuras. Esta constatação enche-me de uma incrível sensação de satisfação, sabendo que há inúmeras descobertas ainda por fazer e que o nosso trabalho pode potencialmente conduzir a avanços significativos neste domínio.", conclui o Dr. Feng Cai.
O enorme potencial do RBG Kew, um dos maiores e mais antigos fungários do mundo
O RBG Kew alberga mais de 1,25 milhões de espécimes, sendo que o reino dos fungos continua a ser um dos grandes mistérios do mundo natural. Estimativas variam, mas podem existir vários milhões de espécies ainda por descobrir, para além das mais de 144 000 espécies descritas até à data, e os cientistas têm a certeza de que entre elas se encontram novas fontes de alimentos, medicamentos e outros compostos benéficos.