Pingo Doce rescinde contrato com 14 produtores de leite a partir de janeiro de 2025

Pelo menos 14 produtores de leite que fornecem o Pingo Doce, marca do universo Jerónimo Martins, foram surpreendidos com o fim do contrato a partir de 2025. A APROLEP - Associação dos Produtores de Leite de Portugal está “preocupada” e lançou um alerta ao Governo, à indústria e à grande distribuição.

Vacas leiteiras
Há 14 produtores de leite cujos contratos de fornecimento com o Pingo Doce, marca do universo Jerónimo Martins, vão terminar em janeiro de 2025. A APROLEP - Associação dos Produtores de Leite de Portugal lançou um apelo aos responsáveis políticos, ao setor da distribuição, à indústria de laticínios e ao setor cooperativo.

Os 14 produtores de leite “foram surpreendidos com a informação que serão dispensados e terão de procurar novo comprador de leite a partir de janeiro de 2025”, revelou a APROLEP - Associação dos Produtores de Leite de Portugal na passada terça-feira.

A Associação lembra que a quebra do contrato, de forma unilateral por parte da empresa Terra Alegre, do universo do grupo Jerónimo Martins, “não resulta de qualquer falha por parte dos produtores, mas foi comunicado que o comprador [Pingo Doce] pretende reduzir a quantidade de leite que adquire”.

A informação foi confirmada por fonte oficial da Terra Alegre, dizendo que, “quando do exercício de planeamento resulta que as necessidades de matéria-prima são menores, como se verifica atualmente, a Terra Alegre procura minimizar o impacto sobre os produtores, trabalhando de forma atempada (aviso prévio) e próxima com cada produtor para encontrar soluções para cada caso concreto”.

Os produtores de leite em causa têm dimensão média. Carlos Neves, secretário-geral da APROLEP, refere que exploram vacarias com “entre 60 e 200 vacas” e que, no total, fornecerão cerca de um milhão de litros de leite por ano à marca Pingo Doce.

Uma “atitude surpreendente”

A Associação fala de uma “atitude surpreendente”, por parte da empresa do grupo Jerónimo Martins, uma vez que “passaram apenas dois anos desde que estes produtores foram convidados a fornecer esta cadeia alimentar com a expectativa de um contrato de longa duração e perspetivas de crescimento”.

“Estes produtores arriscaram mudar de comprador para poderem aumentar a produção e ganharem uma dimensão sustentável para encarar os desafios do futuro, fizeram investimentos e têm créditos para amortizar” e agora veem-se confrontados com o fim do contrato de fornecimento à marca Pingo Doce.

E os mesmos produtores não deverão receber qualquer indemnização, segundo Carlos Neves, já que os contratos são anuais e a empresa comunicou-lhes “com cinco meses” de antecedência.

Pelo meio, diz o também produtor de leite, “terá havido a promessa de ajudar [estes produtores] a procurarem outro comprador”, mas, ainda assim, o problema maior para a APROLEP é outro, conjuntural.

Queijos
A ANIL - Associação Nacional dos Industriais de Laticínios alertou a 22 de janeiro, no dia mundial do Queijo, para “o crescente valor de importações de queijo de baixo valor acrescentado provenientes de países do Norte da Europa, bem como de análogos de queijo (produto que integra na sua composição gordura vegetal).

“Esta situação é preocupante e será grave para todo o setor se não surgirem indústrias ou cooperativas com capacidade para comprar e valorizar esse leite de forma estável e com um preço sustentável, capaz de cobrir os custos de produção”, refere a APROLEP, através de comunicado.

Portugal continua deficitário em queijos e iogurtes

O mais paradoxal é que, em Portugal, existem cerca de 334 indústrias de leite e derivados, na sua grande maioria fabricantes de queijo.

A Associação dos Produtores de Leite diz que “é difícil perceber a dificuldade em escoar e valorizar o leite português”, principalmente porque “Portugal continua a ser deficitário no setor dos laticínios, sobretudo devido à importação de milhões de euros em queijos e iogurtes”.

Em 22 de janeiro deste ano, data em que se assinalou o dia mundial do Queijo, Maria Cândida Marramaque, diretora geral da ANIL - Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios, frisou, em comunicado, a importância da indústria láctea nacional, que “gera cerca de 1.606 milhões de euros por ano e é a terceira indústria mais valorizada no seio da indústria alimentar, com 11% das vendas”.

A Associação agrega 41 empresas associadas e sete aderentes, representando cerca de 90% do volume de negócios do setor.

Na mesma nota a propósito do dia mundial do Queijo, a responsável da ANIL também fez questão de dar “nota de algumas situações muito penalizadoras e que colocam em risco o setor” lácteo em Portugal.

Crescente valor de importações de queijo

Desde logo, “o crescente valor de importações de queijo de baixo valor acrescentado provenientes de países do Norte da Europa, bem como de análogos de queijo (produto que integra na sua composição gordura vegetal)”, referiu Maria Cândida Marramaque.

Numa outra dimensão, disse a diretora-geral da ANIL, “está a necessidade de delinear uma estratégia que permita recuperar a produção de leite de pequenos ruminantes (ovelha e cabra), importante para uma grande parte dos queijos de produção nacional”.

Em 2023, só no período de janeiro a novembro, Portugal já tinha importado quase 340 milhões de euros, um valor que é mais do dobro do que o valor referente a 2015.

No comunicado agora emitido a propósito da rescisão, por parte da empresa Terra Alegre, dos contratos de fornecimento de leite com pelo menos 14 produtores, a APROLEP lançou “um alerta e um apelo aos responsáveis políticos, ao setor da distribuição, à indústria de laticínios e ao setor cooperativo”.

A Associação quer “uma análise conjunta desta situação com cuidado e responsabilidade”, de modo a que se procurem “as melhores soluções para o destino deste leite, destes produtores, dos seus funcionários e das suas famílias, de forma a não criar um desequilíbrio no mercado que desvalorize o leite português e coloque em causa todo o setor”.