Perigos naturais e condição de vulnerabilidade responsáveis por causar graves cheias e inundações no Corno de África
Depois de vários anos de seca, o Corno de África conheceu fortes chuvas, especialmente em novembro, que provocaram graves e importantes cheias e inundações no sul da Etiópia, no leste do Quénia e em muitas regiões do sul e centro da Somália.
O Corno de África é comummente afetado por condições meteorológicas extremas e eventos relacionados com o clima, nomeadamente por períodos de seca que causam dificuldades às comunidades que ali residem e a ajudam a destruir os ganhos de desenvolvimento desta região do globo.
Entre o final de 2020 e o início de 2023, as condições de seca prolongada, exacerbadas pelas alterações climáticas, resultaram em impactos generalizados para as populações, quer diretamente induzidos, provocando várias vítimas, quer naquilo que as sustenta, com perdas de culturas, colheitas e pecuária, exacerbando a fome e desnutrição.
Mas partir do final de outubro de 2023, a região conheceu fortes cheias e inundações causadas pela intensa precipitação que se fez sentir em vários países, nomeadamente a Etiópia, a Somália e o Quénia. Partes do sul da Etiópia, do sul e centro da Somália e do leste do Quénia foram severamente afetados, tendo-se registado anomalias de precipitação de até 250 mm.
Até ao momento, mais de três milhões de pessoas foram afetadas e perto de 300 mortes foram notificadas nos três países. Na Somália, 110 pessoas morreram e mais de um milhão continuam deslocadas, com mais de 2,4 milhões de indivíduos afetados, segundo a OCHA (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários).
No Quénia, o número de mortes atingiu pelo menos os 120, com 462 160 pessoas deslocadas até ao final do mês de novembro. A Etiópia relatou pelo menos 57 mortes, e mais de 1,5 milhões de pessoas afetadas (OCHA).
Além dos impactos nos seres humanos, as chuvas tem impactado importantes serviços críticos e recursos-chave daqueles países, nomeadamente de saúde, transporte, água, saneamento e energia elétrica, bem como escolas e o tecido empresarial em toda a região.
Estima-se que 1,5 milhões de hectares de solos agrícolas possam vir a ser destruídos até janeiro de 2024, só na Somália, cuja população depende fortemente da produção agrícola para a subsistência e que sofre de altas taxas de insuficiência alimentar.
Características e causas da problemática
O Corno de África vive um regime de chuvas bimodal, em que as principais temporadas ocorrem entre os meses de março e maio e os meses de outubro e dezembro.
A elevada variabilidade sazonal e interanual resulta duma complexa interação entre influências locais, regionais, padrões de circulação e teleconexões remotas. Os fatores locais são vários, tais como, as variações topográficas da região, a extensão latitudinal, as grandes massas de água interiores e as extensas áreas costeiras.
Já os padrões de circulação regional são influenciados por processos como a Zona de Convergência Intertropical, a Oscilação Madden-Julian, a Oscilação Quase-Bienal e a corrente de jato da África Oriental. Além disso, entram em jogo teleconexões remotas, como o Dípolo do Oceano Índico, o El Niño-Oscilação Sul e as variações na posição e força de células subtropicais de alta pressão.
Um grupo de investigadores do Quénia, Etiópia, África do Sul, Estados Unidos da América, Países Baixos, Alemanha e Reino Unido colaboraram para avaliar até que ponto as alterações climáticas induzidas pelo homem alteraram a probabilidade e a intensidade das fortes chuvas na região e encontraram várias razões. Para isso, escolheram uma região com um clima bastante homogéneo, compreendida entre o Quénia, a Etiópia e a Somália.
Para capturar este conjunto de processos de precipitação indutores de cheias e inundações, foram analisados diferentes períodos de duração de precipitação cumulativa. No entanto, os resultados foram muito semelhantes, independentemente de se investigar alguns dias ou um mês inteiro, o que os levou a analisar a precipitação média máxima de 30 dias.
Conclui-se que 2023 registou um dos dois maiores eventos de precipitação desde que há registos e que a seca histórica e as cheias e inundações recentes agravaram a exposição e a vulnerabilidade das populações à gravidade dos impactos relacionados com estes fenómenos.
Os investigadores concluíram também que tanto o El Niño-Oscilação Sul quanto o Dipolo do Oceano Índico estão em fase positiva, fazem aumentar a probabilidade de chuvas fortes no Corno de África. Para a região específica analisada neste estudo não foi encontrada evidência da influência do El Niño-Oscilação Sul, mas sim um papel significativo influência do Dipolo do Oceano Índico.
Assim, na atual fase do Dipolo do Oceano Índico e nas atuais condições climáticas, espera-se que um evento esta magnitude ocorra a cada 5 anos de fases positivas do Dipolo. No geral, tendo em conta o comportamento recente positivo do Dipolo, o evento teria um período de retorno de 40 anos no clima atual, que foi aquecido em 1.2 °C.
Devido ao efeito do Dipolo, a intensidade das chuvas na temporada de outubro a dezembro de 2023 foi cerca de duas vezes o que seria esperado num ano em que o Dipolo revelasse um comportamento neutro. Da mesma forma, devido ao aquecimento de 1.2 °C, a quantidade de precipitação também dobrou. Assim, as alterações climáticas e um Dipolo positivo contribuíram de igual forma para magnitude do evento.
Os investigadores explicam ainda que o uso e ocupação do solo, a gestão insustentável da terra face à rápida urbanização, bem como os desafios sistémicos na implementação de ações de alerta precoce em comunidades vulneráveis aumentou a exposição a nível comunitário a eventos de precipitação extrema e a cheias e inundações subsequentes.
Referência da noticia:Kimutai, J., Barnes, C, Zachariah, M. et. al. Compounding natural hazards and high vulnerability led to severe impacts from Horn of Africa flooding exacerbated by climate change and Indian Ocean Dipole. 2023.