Os investigadores afirmam que as estradas ‘fantasma’ estão a destruir as florestas tropicais da Ásia-Pacífico
Redes de estradas não mapeadas, não regulamentadas e, muitas vezes, ilegais estão a espalhar-se insidiosamente pelos ecossistemas mais frágeis. Saiba mais aqui!
Prevê-se que cerca de 25 milhões de km de estradas pavimentadas sejam construídos até 2050 – o suficiente para contornar o equador mais de 600 vezes. Mas grande parte desta construção está a acontecer de forma despercebida.
Redes de estradas não mapeadas, não regulamentadas e muitas vezes ilegais estão a espalhar-se insidiosamente em ecossistemas frágeis. Se estas não forem controladas, ameaçam causar um impacto devastador nas florestas tropicais, de acordo com uma nova investigação.
Os efeitos das estradas "fantasma"
O novo estudo, dá a conhecer 1,37 milhão de km de estradas que se espalham pelas ilhas da Nova Guiné, Bornéu e Sumatra, três pontos críticos de biodiversidade no Sudeste Asiático e no Pacífico que contêm a maior extensão combinada de florestas tropicais fora a Amazónia e da Bacia do Congo. Esta extensão total de estradas é entre três e 6,6 vezes maior do que a registada em bases de dados oficialmente reconhecidas.
Os investigadores dizem que a discrepância indica a presença de um excesso daquilo a que chamam “estradas fantasmas”: estradas construídas informalmente ou ilicitamente, escavadas por madeireiros, mineiros, grileiros (pessoa que tenta obter a posse de terras com documentos falsos) ou especuladores.
Normalmente fora do âmbito da governação ambiental, as estradas fantasmas criam pontos cegos no zoneamento e na aplicação da lei, representando, em última análise, uma das mais graves ameaças à conservação que as florestas do mundo enfrentam.
Estradas não mapeadas estão a proliferar de forma descontrolada
Quando bem planeadas, as estradas podem ligar comunidades e mercados, apoiando o desenvolvimento económico. Mas quando falta regulamentação, as estradas têm sido comparadas a “artérias de destruição” nas florestas tropicais, abrindo caminho à extração de madeira, minerais, vida selvagem e outros recursos, deixando no seu rasto uma paisagem vazia e sem vida. O número de estradas não mapeadas que se infiltram na região de estudo é chocante, dizem os autores.
A Agência Internacional de Energia estima que nove décimos da crescente construção de estradas no mundo estão previstas para países do Sul, onde a governação é muitas vezes dificultada pela corrupção e pela falta de recursos financeiros e técnicos. Portanto, encontrar formas de acompanhar as estradas informais e não regulamentadas será vital para minimizar os consequentes danos ambientais, afirmou William Laurance, coautor do estudo e professor investigador da Universidade James Cook, na Austrália.
Recorrendo a imagens de satélite de alta resolução, a equipa de investigadores da Indonésia e da Austrália trabalhou com mais de 200 voluntários de investigação treinados para mapear manualmente estradas em 1,42 milhões de terrenos, cada um medindo 1 km².
Examinar todas as imagens para identificar cada estrada, muitas vezes no meio de florestas densas e remotas, demorou 7 mil horas de esforço voluntário. Em seguida, compararam o conjunto de dados com duas bases de dados oficiais reconhecidas mundialmente: o Global Roads Inventory Project e o OpenStreetMap.
Estradas precedem a desflorestação
Mais de um terço das estradas identificadas como estradas fantasmas estavam localizadas em plantações de palmeira-de-óleo-africana ou outras plantações na região de estudo; quase um terço estava na agricultura não-plantacional; e cerca de 39% abriram caminho para florestas intactas.
O estudo adverte que, ao reduzir os custos de transporte de produtos florestais, como madeira, minerais e vida selvagem caçada, as estradas – que estão normalmente ligadas à agricultura nos trópicos – promovem rapidamente a desflorestação.
Para estudar as tendências de desflorestação associadas às estradas ao longo do tempo, a equipa analisou imagens de satélite entre 1985 e 2020 em 12 grandes paisagens na região de estudo. Descobriram que a desflorestação normalmente atinge o pico logo depois de uma estrada penetrar, pela primeira vez, na paisagem.
Depois disso, a taxa de perda florestal diminui à medida que a densidade das estradas aumenta e as florestas acessíveis são eliminadas pela erosão. Dos 38 fatores ambientais, demográficos e socioeconómicos testados pelos investigadores, a presença de estradas foi considerada o mais forte preditor de desflorestação.
Referência da notícia:
Engert, J., Campbell, M., Cinner, J. et al. Ghost roads and the destruction of Asia-Pacific tropical forests. Nature (2024).