O espantoso reportório meteorológico da erupção de La Palma
Desde que a erupção do Cumbre Vieja na ilha de La Palma começou a 19 de setembro, tivemos a oportunidade de observar um vasto reportório de fenómenos meteorológicos à sua volta, que analisaremos neste artigo.
A erupção de Cumbre Vieja, na ilha de La Palma, iniciada a 19 de setembro de 2021, não só nos permite conhecer muitos aspetos vulcanológicos graças aos cientistas de diferentes organismos públicos, tais como o IGME-CSIC (Instituto Geológico e Mineiro de Espanha) ou o INVOLCAN (Instituto Vulcanológico das Canárias). Também nos dá a oportunidade de observar a estreita relação que existe entre a atividade vulcânica e a Meteorologia, através de um vasto reportório de fenómenos atmosféricos, que analisaremos nas próximas linhas.
As idas e vindas da pluma
Os dois elementos mais chamativos de uma erupção vulcânica são a pluma que sai da cratera e os fluxos de lava. No caso particular da que está a acontecer na ilha de La Palma, por ser uma erupção fissural, têm surgido diferentes 'bocas', que apresentam explosividade e efusividade variáveis.
A erupção é do tipo estromboliana, com VEI (índice de explosividade vulcânica) inicialmente fixado em 2 (numa escala de 0 a 8), mas posteriormente elevado a 3, devido ao grande volume de materiais expelidos até ao momento. Neste tipo de erupção, as colunas de gases e piroclastos não alcançam a estratosfera. As plumas do Cumbre Vieja não chegaram a ultrapassar os 6000 metros de altitude, evoluindo à mercê dos ventos da baixa e média troposfera.
A alteração do aspeto da pluma principal da erupção de La Palma oferece-nos informação visual tanto sobre o regime de vento local num dado momento, como sobre as características da baixa atmosfera na vertical (condições de estabilidade ou instabilidade atmosférica).
Nos mais de dois meses em que o processo eruptivo tem estado a decorrer, o regime dos ventos alísios (ventos NE) tem dominado em La Palma, com a presença de uma inversão térmica que durante muitos dias impediu a subida da pluma, expandindo-se horizontalmente no nível onde se localiza esta inversão. As convergências do vento próximo ao solo, junto da costa, alteram o fluxo e favorecem a dispersão dos gases e cinzas no vale de Aridane sem um padrão fixo, fácil de prever.
Chuva de cinzas e raios vulcânicos
Nas fases mais explosivas, a pluma adquiriu um tamanho maior, conseguindo incorporar gases e cinzas acima da camada atmosférica inferior, com cerca de 2.000 m de espessura, onde sopram os ventos alísios, favorecendo a sua dispersão por longas distâncias. As grandes emissões de dióxido de enxofre (SO2) são monitorizadas o tempo todo por satélite.
Nos dias em que os ventos de oeste dominavam a ilha, a nuvem de cinzas deslocou-se para leste, obrigando ao encerramento do aeroporto da ilha (junto a Santa Cruz de La Palma) e, de forma mais esporádica, os de La Gomera e Tenerife Norte. Embora a deposição de grandes quantidades de cinza (ocasionalmente com lapilli, piroclastos com diâmetros compreendidos entre 1 mm e 5 cm) se concentre na zona zero (bocas e fluxos de lava) e arredores, esta também atinge o leste da ilha, favorecidas por estas alterações na direção do deslocamento da pluma.
A grande densidade de piroclastos que a pluma vulcânica apresentou em certas fases eruptivas, chegou a gerar descargas elétricas, como as que podemos ver na fotografia noturna da cratera principal (foto acima). Estes raios vulcânicos são o resultado do atrito dos piroclastos contidos na densa coluna eruptiva, o que provoca a separação de cargas elétricas de diferentes sinais e, finalmente, as descargas. Foi nos momentos em que a erupção estava mais explosiva quando as condições foram propícias para a formação de raios, semelhantes aos que ocorrem nas tempestades elétricas.
Em alguns destes picos explosivos, as mudanças abruptas na pressão atmosférica geradas pelos gases e cinzas lançados violentamente para cima, geraram ondas de gravidade na horizontal, que se propagaram radialmente, gerando camadas de nuvens concêntricas em forma de anéis, captadas tanto por fotógrafos na ilha como por imagens de satélite (ver imagem em anexo).
Da mesma forma que quando atiramos uma pedra para um lago, se forma um comboio de ondas na superfície da água, que se expande do ponto de impacto para fora, neste caso, o "tiro de canhão" de uma violenta ejeção da cratera provoca uma ondulação semelhante na base da camada de inversão dos alísios, propagando estas faixas circulares de nuvens em todas as direções, com o resultado que vemos na imagem acima.
Micrometeorologia nos fluxos de lava
Os fluxos de lava ígnea (com temperaturas que, ao fluir, rondam os 1.000 ºC) gerados pelos transbordamentos de magma nas diferentes bocas eruptivas, além de destruir tudo no seu percurso, favorecem a formação de diferentes fenómenos meteorológicos de microescala, que modificam o tempo prevalecente à escala local. Formaram-se violentas rajadas de vento, devido ao grande contraste térmico (e, portanto, de pressão) entre o ar acima dos fluxos de lava e as áreas circundantes.
Nas áreas soterradas por cinzas em redor das bocas, tampouco faltaram os redemoinhos de poeira, semelhantes aos que se formam em solo nu e poeirento, sujeito a forte insolação. Nos fluxos de lava, a própria lava - em processo de solidificação, mas ainda quente - sobre a qual as cinzas foram depositadas, atua como fonte de calor, promovendo a formação do redemoinho.
Em dias de acentuada instabilidade atmosférica, a pluma chegou a formar um pirocúmulo, enquanto outras nuvens de grande desenvolvimento vertical se formaram à sua volta. Em pelo menos um destes dias, uma tuba chegou mesmo a descolar da base de uma delas. Quando chove, as gotas que atingem os fluxos de lava mais quentes evaporam-se, criando a falsa sensação de que o terreno vulcânico está a fumegar. Na realidade, forma-se uma espécie de névoa de evaporação, devido à condensação desse vapor de água trazido pela chuva.
No caso dos fluxos de lava que chegaram ao mar, a violenta evaporação da água marinha criou perigosas nuvens ácidas, em forma de colunas. As gotículas dessas nuvens contêm ácido clorídrico e, em menor quantidade, ácidos sulfúrico e fluorídrico, gerados a partir dos sais marinhos cloreto de sódio e sulfatos.