O drama da seca em Portugal: poderá a chuva artificial ser uma solução?
A seca em Portugal continental parece interminável e o cenário já assume contornos tenebrosos. Meses consecutivos sem chuva e com solos muito ressequidos sugerem o possível uso de chuva artificial. Será esta a solução para o nosso país?
Portugal Continental está a viver uma seca gravíssima, praticamente sem precedentes desde o início dos registos contínuos dos dados meteorológicos, e este cenário, já de si tenebroso, parece não ter fim à vista, tendo obrigado à tomada de um conjunto de medidas para mitigar a situação.
Existem várias barragens à escala nacional com níveis abaixo dos 20% da capacidade de armazenamento de água. Entre as mais recentes medidas, logo no início deste mês de outubro, procedeu-se à suspensão da produção hidroelétrica em 15 barragens, onde se inclui a de Castelo de Bode, um dos principais pontos de armazenamento de água do país.
O objetivo foi criar uma reserva estratégica de água para garantir o abastecimento elétrico. A produção só voltará a acontecer quando forem atingidas as cotas mínimas de água.
Os antecedentes meteorológicos
As condições meteorológicas que se verificaram sucessivamente nos últimos doze meses foram devidas, em grande parte, a fortes anticiclones de bloqueio que, durante semanas e semanas e semanas a fio, impediram a chegada das habituais tempestades atlânticas, algumas de grande impacto (as que chegam a receber nome).
Isto refletiu-se num anormal estado do tempo que, praticamente desde o início do Ano Hidrológico 2021/2022 (1 de outubro de 2021 - 30 de setembro de 2022), nunca registou um estado meteorológico dentro do normal, ou aproximado ao normal.
Tanto assim foi que, apenas dois meses num total de doze, foram considerados chuvosos (março e setembro de 2022). Ambos não são, sequer, meses da época do ano em que ocorre o pico da precipitação anual em Portugal, isto é, não correspondem ao típico auge das estações climatológicas do outono e inverno (novembro, dezembro, janeiro e fevereiro).
Este facto, já de si surpreendente pela negativa - pois significa que nos meses habitualmente chuvosos pouco ou nada choveu - torna este Ano Hidrológico 2021/2022, acabado de terminar, um período completamente anormal, e do ponto de vista meteorológico, completamente desastroso.
É certo que a precipitação escassa conduziu a este cenário de seca devastadora, responsável por diminuição na produção e tolhimento das culturas agrícolas, esvaziamento de rios e ribeiras que ficaram secos ou quase secos, barragens com níveis assustadoramente baixos e solos gretados provocados pelo tempo exagerada e prolongadamente seco.
Mas a temperatura também desempenhou um papel crucial neste cenário ao manifestar, durante boa parte do ano, valores significativamente acima dos normais das médias climatológicas mensais de referência.
A falta de chuva poderá resultar em consequências ainda mais nefastas, para além das já mencionadas, tais como possível falta de água para consumo humano, ou até mesmo a sua escassez para forragens e culturas agrícolas, o que poderia traduzir-se num problema para a produção alimentar, para além do da energia.
Outubro, para já, não parece dar sinais de mudança do estado do tempo (apesar da projeção otimista de alguns modelos meteorológicos de médio prazo) dado que começou quente, com temperaturas elevadas de valores típicos da estação estival tardia, contribuindo para o potenciar da seca no nosso país.
Não obstante, a boa notícia é que a precipitação de setembro gerou uma diminuição da situação de seca no país, ainda que sem efeitos práticos visíveis uma vez que precisaríamos de semanas consecutivas de chuva abundante e persistente, distribuída de maneira regular e consistente e, de preferência, sem causar inundações, alagamentos no solo e outros estragos.
Chuva artificial, a solução para o crónico aparecimento de seca em Portugal?
Segundo reportagem da SIC Notícias, os meteorologistas salientam que, para além da premente necessidade de chuva, pois a situação é a cada dia mais preocupante, é preciso “fazer chover”. De acordo com o meteorologista Hélder Silvano Nunes, entrevistado pelo supracitado meio de comunicação social português, vários aspetos relativos à gestão da água têm de ser “modificados, nomeadamente a nível da floresta, da retenção da água e do tratamento que é dado ao território”.
Foi realçada a necessidade de chuva, seja provocada artificialmente, ou por qualquer outro método. Os dados meteorológicos oficiais expressam que, desde o início do século XXI, a precipitação anual tem vindo a decair. No entender de Silvano Nunes, além da potencial ocorrência de “secas mais proeminentes”, casos como o de Manteigas - com “chuvas que irrompem com imensa violência” - podem acontecer de forma mais frequente e contribuir para a extremização destes fenómenos.
Antes de mais, a chuva artificial é um método de produção de precipitação altamente controverso, pela divisão polémica que causa entre a comunidade científica devido a questões éticas e a potenciais prejuízos ambientais. No entanto, ressalve-se que a sua aplicação noutras várias áreas do planeta, para o combate aos incêndios na Indonésia, ou para a remoção da poluição na China, tem sido relativamente bem-sucedida.
A chuva artificial já é utilizada noutros países
A técnica de produzir chuva artificial é bastante utilizada também no Dubai (EAU) e consiste na prática de induzir ou aumentar artificialmente a precipitação adicionando agentes externos nas nuvens. Estes agentes externos podem ser vários tipos de partículas, tais como: gelo seco (dióxido de carbono sólido), iodeto de prata, sal em pó, entre outros. Este processo é conhecido como semeadura de nuvem e o estímulo é levado a cabo por aviões, foguetes ou drones.
A primeira fase consiste no uso de produtos químicos para estimular a massa de ar a formar nuvens. Estes produtos químicos absorvem o vapor de água e ajudam no processo de condensação. Produtos químicos como o óxido de cálcio, composto de ureia e nitrato de amónio ou carbonato de cálcio e cloreto.
Na segunda etapa, a densidade das nuvens aumenta. No estágio final, as aeronaves sobrevoam as proximidades da nuvem e despejam os agentes externos que facilitam o crescimento das gotas de água que, posteriormente, precipitam sob a forma de chuva.
A controvérsia com a utilização deste método é que, para além de nem sempre chover onde é pretendido que chova, quando se interfere com o meio ambiente, todo o cuidado é pouco devido às imprevisíveis consequências. Além disso, a legitimidade deste método é questionável, pois a produção e quantidade de chuva nem sempre é eficaz nas áreas geográficas pretendidas.
Tal como é sustentado em “100 Years of Progress in Applied Meteorology”, "Apesar do enorme progresso neste campo ao longo das últimas sete décadas, a eficácia da propagação de nuvens ainda permanece controversa na comunidade científica", afirmam académicos norte-americanos no artigo publicado em Meteorological Monographs.