O ar antártico, agora surpreendentemente frio, invade a Austrália
A Antártida tem estado a arrefecer a um ritmo extraordinário nas últimas semanas. Ao mesmo tempo, o leste da Austrália foi atingido por uma das tempestades de Inverno mais severas em décadas. Poderá haver uma ligação entre os dois fenómenos?

A Antártida é sem sombra de dúvida o continente mais frio do planeta, tanto em médias, o que é evidente dada a sua localização, como em extremos, pois as suas mínimas absolutas, com um recorde de -89,2 ºC e estimativas inferiores a -90 ºC, são ainda mais baixas do que as dos locais mais frios da Sibéria. Em redor do continente, uma corrente oceânica circumpolar e um poderoso jato polar isolam a Antártida das massas de ar e água mais temperadas procedentes de latitudes inferiores. No entanto, o arrefecimento que está a ocorrer este ano, durante o início do inverno austral, é, sem dúvida, muito chamativo.
Fenómeno muy curioso el que estamos padeciendo en el Hemisferio Sur y que está siendo poco comentado en los medios-redes... Y ojo, que la media es 1979-2000. Probablemente fueran anonalias inferiores si nos vamos al periodo 1991-2021... pic.twitter.com/UsfXnihsGi
— Miguel Iglesias (@meteoastur) June 9, 2021
Não só estão a ser registadas temperaturas inferiores ao habitual, como as anomalias de temperatura estão difundidas por todo o continente, sendo até 7 ºC mais frias do que o normal, com regiões onde a anomalia dispara até 15 ºC abaixo da média da série 1971-2000. Este é um fenómeno extraordinário e contrasta com as anomalias positivas que estamos habituados a observar nos últimos anos nas latitudes polares, especialmente no Ártico.
Além disso, não é apenas a Antártida que está a arrefecer, mas também o ar que se encontra sobre o oceano circundante. Isto contrasta com as temperaturas médias ou mesmo ligeiramente mais quentes em latitudes médias e subtropicais, algo que se está a traduzir numa forte instabilidade baroclínica que se vai propagando por todo o hemisfério em latitudes médias.
Um jato mais forte e tempestades destrutivas
As causas deste fenómeno são atualmente uma incógnita e podem ser muitas e variadas. Um dado notável é a grande velocidade que está a adquirir o vórtice polar estratosférico nesta temporada. Na troposfera, velocidades muito elevadas também estão a ser alcançadas no fluxo de jato, aproximando-se dos 350 km/h tanto em áreas da Austrália como sobre o Pacífico Sul, nas proximidades da América do Sul. O que é evidente é que o contraste de temperaturas entre latitudes subtropicais e polares está a ser muito significativo este ano como consequência destas anomalias e as tempestades, alimentadas precisamente por estas diferenças térmicas, estão a adquirir bastante intensidade.
Icy blast for Australia
— Scott Duncan (@ScottDuncanWX) June 10, 2021
Extremely cold recently with widespread snow and the lowest daytime maximum temperature in Sydney since 1984!
Cold southerly winds transported Antarctic air across the country during the last few days. pic.twitter.com/IIISq32Tmm
A Austrália está a ser a primeira a reparar na atividade destas tempestades invulgarmente fortes. Nos dias que correm, inundações, baixas temperaturas e nevões estão a fazer manchete, especialmente no oeste do território. Tanto que Sydney registou aquele que é provavelmente o dia mais frio desde 1984 e a queda de neve está a atingir áreas muito pouco habituais. Além disso, no estado de Vitória, as chuvas estão a causar graves inundações que já reclamaram duas vidas.
While #Sydney didn't get to experience the #snow that's spread far & wide around the region, it hasn't missed out on the #cold! After a pretty miserable day, the city (Observatory Hill) only managed to climb to 10.3 degrees, the lowest maximum since 1984. https://t.co/S4dyP1u5bA pic.twitter.com/1TvLKg1fM3
— Bureau of Meteorology, New South Wales (@BOM_NSW) June 10, 2021
Nos próximos dias, as condições meteorológicas adversas vão continuar em toda a área, esperando-se mais precipitação e fortes rajadas de vento, que em alguns pontos ultrapassaram os 110 km/h. Embora este tipo de temporais possa ocorrer em diversos cenários, tudo aponta para a massa de ar antártica extraordinariamente fria como a principal causa destas condições meteorológicas extremas e do desenvolvimento tão explosivo destas tempestades.