Limiar climático de 1,5 °C: afinal, sabe o seu significado e porque é este valor?
Um número pode significar muita coisa, dependendo do que se está a analisar. Na ciência climática, o limiar de 1,5 °C representa o aquecimento global da superfície de 1,5 °C acima das temperaturas pré-industriais. Mas sabe o porquê desse valor?
Nos últimos anos, tem-se falado muito sobre a possibilidade (e consequências) da Terra ultrapassar o limite climático de 1,5 °C. E recentemente, o Serviço Europeu Copernicus confirmou que o ano de 2023 é o ano mais quente desde que se tem registos terrestres (desde 1850), com a temperatura global a chegar muito próximo desse limite (1,48°C acima da média do período pré-industrial).
Em terra, as variáveis de temperatura do ar incluem medidas tanto na superfície do solo, literalmente, quanto a dois metros acima dele. Na água, navios e boias podem medir diretamente a temperatura da superfície do oceano (TSM), bem como a temperatura do ar dois metros acima dele.
O limiar de 1,5 °C é o nível de aquecimento que os países que assinaram o Acordo de Paris concordaram em tentar manter abaixo. Mas o que significa ‘período pré-industrial’? Como sabemos quando ultrapassamos esse limite? E por que tem esse valor? Saiba tudo aqui.
Definição do período pré-industrial
A média é uma medida muito utilizada dentro da climatologia para análises estatísticas, representando um período de tempo definido, e geralmente compara-se valores em relação a essa média. Um exemplo: a temperatura global da superfície em setembro de 2023 ficou 0,93 °C acima da média global de todos os setembros entre 1991-2020.
O intervalo de tempo “médio” para o limiar climático de 1,5 °C é definido como “período pré-industrial”, isto é, o período de tempo antes do aumento dos gases de efeito estufa (GEEs) devido às emissões humanas começar a influenciar as temperaturas globais.
Apesar da Revolução Industrial ter ocorrido entre meados de 1700 e 1800, atualmente o período pré-industrial é definido de 1850 a 1900, porque esse é o período mais antigo com registos de temperatura superficial consistentes e generalizados.
Mas de onde veio o número 1,5?
Nas décadas de 1970 e 1980, os cientistas utilizavam diferentes limiares de temperatura para compreender os potenciais impactos das emissões de GEEs pela atividade humana. Estes limiares geralmente variavam entre 1 °C e 2 °C. À medida que a comunidade internacional se uniu para enfrentar as alterações climáticas, tornou-se importante ter uma meta de temperatura como catalisador para a ação climática.
No primeiro tratado internacional sobre o clima em 1992, os países participantes concordaram em estabilizar as concentrações dos GEEs a um nível que evitasse interferências antropogénicas perigosas no clima. Em 2010, o Acordo de Cancún reconheceu ainda a necessidade de “manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2 °C em relação à média do nível pré-industrial”. No entanto, algumas investigações na época mostraram que, para alguns países e ecossistemas vulneráveis, o risco de graves consequências aumentava rapidamente mesmo com um aquecimento abaixo de 2 °C.
Assim, em 2015, vários países reuniram-se para assinar o Acordo de Paris, no qual se comprometeram a “manter o aumento da temperatura média global bem abaixo dos 2 °C com esforços para limitar esse aumento a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais”.
A importância desse limiar foi ainda mais lembrada no Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) de 2018, onde concluíram que limitar o aquecimento a 1,5 °C reduzirá os impactos na sociedade e nos ecossistemas terrestres, de água doce e costeiros.
Quando sabemos que ultrapassamos esse limite?
Ultrapassar esse limiar significa a Terra exceder consistentemente 1,5 °C em comparação com o nível pré-industrial numa escala de tempo longa, e não apenas num mês, dia ou ano. Exemplo: as temperaturas globais da superfície em setembro, outubro e novembro de 2023 ultrapassaram 1,5 °C acima do período pré-industrial, mas isso não significa que o Acordo de Paris falhou!
As temperaturas podem ser influenciadas também por fenómenos climáticos naturais como o El Niño Oscilação Sul (ENOS) e outras condições meteorológicas. E todos estes fatores combinados podem elevar brevemente as temperaturas mensais ou anuais acima de 1,5 °C.
E isto não significa que 1,5 °C seja o novo normal! Na verdade, é necessário calcular a média das anomalias de temperatura durante um período de 30 anos ou mais para suavizar quaisquer influências de fatores naturais, revelando assim a real tendência de longo prazo.
Os impactos iniciam exatamente com 1,5 °C de aquecimento?
Não. Milhares de pessoas no mundo já estão a sofrer os impactos das alterações climáticas (temperaturas extremas, chuvas fortes, inundações, ondas de calor…). O que acontece é que a partir deste limiar, cada pequeno aquecimento adicional gera impactos negativos muito piores.
Ou seja, esta meta foi definida porque tanto modelos como dados paleoclimáticos mostram que acima de 1,5 °C o risco de impactos graves torna-se maior do que o mundo estava disposto a tolerar.