Já ouviu falar de turfeiras e sabe a sua importância? Alpiarça mostra à Europa como restaurar estes preciosos habitats

O município vai criar um modelo de gestão ambiental, que poderá ser replicado em outras regiões europeias. Estes ecossistemas estão em declínio, mas absorvem mais CO2 do que as florestas.

Reserva Natural Paul de Gouxa
Inserida na Reserva Natural do Paul da Gouxa, a turfeira de Alpiarça tem mais de nove mil anos e é um caso raro na Europa e no mundo. Foto: Município de Alpiarça.

Uma turfeira, com mais de nove mil anos, inserida na Reserva Natural do Paul da Gouxa, na região de Santarém, é um caso único no país. Não surpreende, por isso, que a o município de Alpiarça tenha sido escolhido para liderar o projeto europeu Políticas Ambiciosas para a Restauração, Conservação e Gestão Sustentável das Turfeiras na Europa (PEAT-EU).

Para quem não está familiarizado com este tipo de habitats, convém, antes mais, referir que as turfeiras têm uma função vital na mitigação das alterações climáticas e na preservação da biodiversidade.

O que são turfeiras?

As turfeiras surgem em zonas encharcadas, sendo raras tanto na Europa como no Mundo. O alagamento do solo, associado à falta de oxigénio, impede a decomposição total da matéria orgânica que se acumula nos terrenos, formando turfas com diferentes géneros de musgo, entre outras plantas.

Reserva Natural Paul de Gouxa
A vegetação destes habitats retém grandes massas de água, contribuindo para prevenir as cheias. Foto: Município de Alpiarça.

A vegetação destes habitats retém grandes massas de água, contribuindo para prevenir cheias e inundações. As turfeiras fornecem ainda água potável e preservam também uma importante biodiversidade, com destaque para insetos e anfíbios.

A Reserva Natural do Paul da Gouxa é, por exemplo, um importante habitat para insetos como borboletas noturnas, libélulas ou besouros e ainda para anfíbios como a salamandra-lusitânica, a rã-de-focinho-pontiagudo, a rã-ibérica, a rela ou o sapo-corredor.

A sua cobertura mundial, porém, não vai além dos 3%, mas é o suficiente para, no seu conjunto, absorver mais do que 600 gigatoneladas de carbono, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês).

Os valores representam 44% de carbono existente no solo de todo o mundo, excedendo a quantidade armazenada em “todos os tipos de vegetação, incluindo as florestas”, destaca o website da IUCN.

Declínio acelerado

A função das turfeiras na regulação do clima é mais do que reconhecida, mas durante décadas a sua importância foi historicamente ignorada. Em Portugal, a área é relativamente diminuta, segundo o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). A expansão agrícola e pastoril, a rearborização e a drenagem de lagoas contribuíram para o seu declínio.

As políticas agrícolas e climáticas da União Europeia tiveram um impacto semelhante na maioria desses ecossistemas nos estados-membros. Atualmente, mais de 50% das turfeiras da Europa estão degradadas, emitindo cerca de 230 milhões de toneladas de CO₂ por ano — um valor equivalente às emissões de 135 milhões de automóveis.

Por ser infamável quando seca, a turfa foi utilizada, na era pré-industrial, como o principal combustível na Europa. O seu uso também foi relevante na produção de substratos agrícolas. A exploração de turfa foi uma prática corrente, sobretudo nos países do Norte da Europa, como Irlanda, Alemanha, Suécia, Dinamarca e Finlândia.

Reserva natural de Paul da Gouxa
A expansão da agricultura e a drenagem dos solos, nas últimas décadas, contribuíram para a degradação de mais de 90% das turfeiras da Europa. Foto: Município de Alpiarça

Após a Segunda Guerra Mundial, a exploração da turfa reduziu-se drasticamente em consequência da expansão dos combustíveis fósseis. A sua escassez, no entanto, continuou a acentuar-se com a conversão agrícola dos solos e a drenagem de lagos. No início do século XXI, a Europa Ocidental já tinha perdido mais de 90% das suas turfeiras.

Reverter a degradação

O projeto PEAT-EU, com o arranque oficial a 1 de maio de 2025, é agora a iniciativa, coordenada pela autarquia de Alpiarça que pretende reverter a deterioração destes habitats. A decorrer até 2029, o programa visa desenvolver um plano de cogestão para a Reserva Natural de Paul da Goucha, assegurando a sustentabilidade deste ecossistema.

Para levar a cabo a missão, o município conta com as parcerias já estabelecidas com o Instituto Politécnico de Santarém e com a Escola Superior Agrária. As três entidades irão coordenar esforços para desenvolver e executar um plano suportado em evidências científicas para implementar as melhores práticas de gestão ambiental.

É justamente essa a essência do PEAT-EU – o programa europeu foi criado para acelerar o desenvolvimento de instrumentos políticos inovadores, que promovam a gestão sustentável, a conservação e o restauro das turfeiras.

Além de procurar melhorar as políticas existentes e criar sinergias entre instituições europeias, a ambição do programa é, acima de tudo, desenvolver uma matriz de princípios orientadores que possam ser adotados em diferentes regiões do continente.

E esse é um papel que o município de Alpiarça quer assumir com o Instituto Politécnico de Santarém, desenvolvendo e implementando regimes eficazes possíveis de ser replicados em outros ecossistemas de turfeiras da Europa.

Referências da notícia

Alpiarça lidera projeto europeu para restaurar e proteger turfeiras – (PEAT-EU). Município de Alpiarça.

Peatlands and climate change. IUCN, International Union for Conservation of Nature and Natural Resources

Ficha7140 (Habitats naturais). Turfeiras de transição e turfeiras ondulantes. Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

Carlos Neto, Carlos Aguiar e Paulo Alves. Vegetação de turfeiras em Portugal continental. Instituto Politécnico de Bragança.