Investigadores portugueses demonstram o grande potencial da bolota para as economias mediterrânicas

A exploração deste fruto está muito aquém das possibilidades que representa para as indústrias alimentar e têxtil, economia circular, descontaminação das águas ou rações mais sustentáveis para animais.

bolota no chão
O interesse comercial na bolota tem vindo a crescer, mas está ainda muito aquém do seu enorme potencial para vários setores da economia. Foto: Pixabay

As bolotas, frutos dos carvalhos, são parte essencial da identidade mediterrânica. Outrora reverenciadas na medicina tradicional e fundamentais na alimentação do gado, já foram também o sustento que permitiu escapar à fome em tempos de escassez nos períodos das duas grandes guerras.

Procurando responder ao crescente interesse por dietas saudáveis, a indústria alimentar tem vindo a valorizar o seu uso em produtos como iogurtes, bebidas vegetais, mousses, gelados ou infusões.

Já ouviu falar, provavelmente, na torrefação da bolota como um substituto do café, com propriedades antioxidantes. A composição nutricional das suas farinhas também é reconhecida na utilização em massas para pão, bolos, bolachas ou esparguete mais nutritivos e sem glúten, oferecendo uma alternativa para os intolerantes a esta proteína.

As propriedades antioxidantes, aliás, levaram a indústria da cosmética a desenvolver produtos ricos em ácidos gordos e compostos fenólicos, que trouxeram para o mercado uma vasta gama de hidratantes, bálsamos, esfoliantes ou regeneradores de pele.

A versatilidade contida numa noz

Novos produtos à base de bolota começam agora a ser explorados, mas o que talvez possa surpreender são os seus contributos para a economia circular, servindo um alargado leque de áreas como a indústria têxtil, os biocombustíveis, descontaminação das águas, conservação dos alimentos ou rações mais sustentáveis para animais.

Esse foi o motivo que levou os investigadores do MARE - Centro de Ciências do Mar e Ambiente, da Universidade de Lisboa, a debruçarem-se sobre as enormes potencialidades deste fruto no artigo: “Bolotas: de um alimento antigo a um recurso sustentável moderno".

Publicado na revista internacional Sustainability, o trabalho destaca os seus usos potenciais e as suas contribuições tanto na alimentação sustentável como em sistemas agroflorestais mais resilientes.

Bolotas na árvore
A bolota tem vindo, nos anos mais recentes, a ser aproveitada como base para vários produtos como bebidas, pão, bolos e até cosméticos. Foto: Pixabay

Embora o interesse comercial pelas propriedades da bolota esteja a crescer, o seu uso continua subvalorizado, mas pode vir a representar uma oportunidade para as economias mediterrânicas.

A bolota em Portugal e Espanha

Em Portugal estima-se que as áreas cobertas por sobreiros, azinheiras e outros carvalhos se estendam por um milhão de hectares, representando um terço da área florestal do país.

A produção anual, segundo os dados citados no artigo, ronda as 437,3 mil toneladas de bolota por hectare só para as espécies de sobreiro e azinheira, com a região do Alentejo a assumir a maior fatia da produção.

Em Espanha, as várias espécies de carvalho ocupam mais de sete milhões de hectares e a produção de bolota varia entre 120,4 e 674,3 kg/ha em azinheiras de diferentes regiões do país.

Os autores, no entanto, destacam a importância de enquadrar estes valores com outros estudos a mostrar que 44% desta produção ibérica é utilizada na ração de animais domésticos e selvagens e apenas 1% transformada em farinha.

Mais de metade do total das bolotas (55%), todavia, permanece no solo. “Isto evidencia o grande potencial de exploração que estes frutos representam”, concluem os investigadores, apelando a uma maior valorização da espécie e à preservação e expansão das áreas de florestas de carvalhos em Portugal e em Espanha.

Montado se sobreiros e azinheiras
A maioria da produção das bolotas em Portugal e em Espanha não é aproveitada, permanecendo nos solos dos montados de sobreiros e azinheiras. Foto: Município de Serpa.

Apesar da sua versatilidade, a bolota continua subutilizada. O que é um desperdício, tendo em conta o clima mediterrânico propício ao desenvolvimento de espécies de Quercus conhecidas por produzirem as bolotas mais doces. Um melhor aproveitamento do fruto poderia beneficiar inclusive da proteção legal de que gozam várias espécies, como a azinheira e o sobreiro, protegidas por leis nacionais e europeias.

Valor nutricional e benefícios para a saúde

As bolotas contêm um elevado teor de hidratos de carbono, principalmente amido, além de alto teor em fibra, vários aminoácidos essenciais e antioxidantes. Os autores destacam ainda as propriedades antimicrobianas, anti-inflamatórias e anticancerígenas.

Certos compostos podem ainda auxiliar no tratamento de doenças cardiovasculares, da diabetes e de distúrbios gastrointestinais. Alguns estudos referem-se às bolotas como uma fonte de propriedades eficazes no combate a doenças neurológicas, como o Alzheimer.

Aplicações promissoras para um produto ancestral

O seu valor, todavia, estende-se além dos benefícios para a saúde humana, podendo, por exemplo, revelar-se como uma alternativa para as rações de animais. Segundo os investigadores, estudos recentes demonstraram que o seu uso na alimentação de carpas em aquacultura e de borregos na agropecuária representou uma melhoria significativa na qualidade e sabor destes alimentos.

O extrato da bolota também já foi testado com sucesso no embalamento de hambúrgueres de frango, resultando num melhor controlo da deterioração da cor, odor e textura durante o seu armazenamento refrigerado.

As quantidades de lípidos presentes em determinadas espécies de bolota têm estimulado também o interesse na utilização deste fruto para a produção de biodiesel. E os subprodutos, ricos em taninos, encontram ainda aplicações no processo de curtimento, aumentando a durabilidade do couro.

tratamento de águas
Recentes descobertas permitiram concluir que os resíduos da bolota têm grande capacidade para tratar águas contaminadas. Foto: Pixabay

As suas aplicações na indústria têxtil estão aliás a despertar o interesse do setor. Na Turquia, por exemplo, as partes não comestíveis das bolotas são usadas como corantes naturais, produzindo tons de preto, castanho, bege e cinzento em tecidos, como a seda, o algodão e a .

O carvão ativado, obtido a partir de resíduos de bolota, demonstrou ainda a capacidade de remover o paracetamol e o ibuprofeno de ambientes aquáticos.

Os extratos de várias espécies de bolota também mostraram atividade coagulante em água com 70% de turbidez. Estas descobertas abrem caminho para a utilização destes resíduos no tratamento de água contaminada.

Uma oportunidade para agarrar e investir

As mais diversas aplicações da bolota em vários setores da economia são, para os autores, a prova de que o produto precisa de maior investimento na sua investigação e nas técnicas que facilitam a sua utilização direta. O seu elevado teor de tanino em certas espécies confere amargura em determinados produtos alimentares, sendo um dos desafios que precisa de ser abordado.

mãos cheias de bolotas
A extração de óleo de bolota é um processo dispendioso, sendo preciso investir na mecanização para facilitar o processo. Foto: Pixabay

Uma das grandes oportunidades está também no desenvolvimento de processos mecanizados, visando facilitar tanto a colheita como o processamento de bolotas para tornar a extração de óleo mais rentável.

São apenas alguns contributos que os autores deixam, esperando que possam estimular o interesse na produção e comercialização de derivados de bolota. A expectativa é, não só recuperar o seu simbolismo cultural na região mediterrânica, mas fazer deste fruto uma oportunidade valiosa para diversificar e diferenciar as economias locais.

Referência do artigo:

Leonardo G. Inácio, Raul Bernardino, Susana Bernardino & Clélia Afonso. Acorns: From an Ancient Food to a Modern Sustainable Resource. Sustainability.