Investigação internacional estuda o Grande Vale do Côa para proteger o Mediterrâneo dos fogos florestais

Corsos, veados, cavalos selvagens, entre outros herbívoros, têm de regressar às paisagens rurais para proteger as florestas, conclui o estudo conduzido por investigadores europeus, canadianos e neozelandeses. A abordagem terá ainda de passar por sensibilizar as comunidades para práticas sustentáveis.

Vale do Côa
O Grande Vale do Côa, que vai desde o rio Douro, a norte, até às montanhas da Malcata, a sul, serviu de referência para o estudo sobre as estratégias de prevenção e mitigação dos fogos florestais na região mediterrânica. Foto: Adobe Stock

O Grande Vale do Côa, no Noroeste de Portugal, esteve no centro de um estudo internacional que visou identificar as melhores estratégias para reduzir o risco de “surtos catastróficos” de incêndios florestais na região mediterrânica. A investigação, publicada na revista científica Fire Ecology, reuniu especialistas ingleses, canadianos, holandeses e neozelandeses, contando ainda com a colaboração da ONG Rewilding Portugal.

O trabalho evidencia, desde logo, o impacto que a reintrodução de herbívoros selvagens nas paisagens rurais poderia ter nos esforços de prevenção e na recuperação de áreas danificadas pelos fogos. As conclusões apontam, aliás, para resultados pouco eficazes conseguidos, até agora, com o pastoreio de gado domesticado.

Uma abordagem holística da gestão da paisagem, que incluísse as causas sociais e as soluções baseadas na natureza, poderia ser muito mais benéfica para reduzir a ameaça dos fogos florestais. É isso, pelo menos que defendem os autores da investigação.

A renaturalização dos ecossistemas com a reintrodução de herbívoros selvagens, como o cavalo selvagem, o veado, o corso, o tauro, a cabra-montez ou o auroque (um antepassado selvagem do boi) ajudaria as áreas danificadas e recuperar mais rapidamente, contribuindo ainda para aumentar a biodiversidade.

A educação e a promoção de mais programas de sensibilização entre a população e, ainda, a restrição do acesso a zonas propensas a incêndios durante a época dos fogos são outras medidas que os investigadores consideram determinantes para reduzir o risco nas zonas rurais.

Fogos mais rápidos, intensos e duradouros

Em muitas paisagens, os incêndios que ocorrem naturalmente podem apoiar a biodiversidade, regular os fluxos de nutrientes e manter os habitats. As alterações climáticas, no entanto, estão a aumentar a incidência de fogos florestais catastróficos, com um potencial impacto devastador na vida selvagem, nas propriedades e na segurança das populações.

Incêndios florestais
Uma área florestal equivalente ao território do Luxemburgo ardeu, em 2023, na União Europeia. Foto: Ronald Plett /Pixabay

O aumento das temperaturas e dos períodos de seca significam mais incêndios, com maior frequência, rapidez, intensidade e duração. Boa parte do continente europeu está em risco, especialmente as regiões mediterrânicas, como Itália e Grécia, os países do Sul da Europa mais afetados, em 2023, com a vaga de incêndios.

Em 2023 – relembram os autores -, ardeu na União Europeia uma área com cerca do dobro do tamanho do Luxemburgo, totalizando mais de meio milhão de hectares. Os fatores climáticos são apenas uma das razões por que o risco de incêndios catastróficos na região mediterrânica está a aumentar. Muitas destas terras sofreram durante as últimas décadas o despovoamento rural e o abandono de terras.

À medida que as aldeias foram perdendo os seus habitantes, o número de animais em pastoreio caiu a pique.

A redução significativa de herbívoros selvagens, aliada à ausência de pastoreio, têm vindo a transformar drasticamente a paisagem rural. A proliferação de vegetação inflamável, como matagais densos, combinada com áreas de pinheiros e eucaliptos, torna a floresta cada vez mais vulnerável a focos de incêndio, que podem rapidamente assumir dimensões avassaladoras.

Os benefícios ambientais dos animais herbívoros

Melhorar o pastoreio natural com animais selvagens e semisselvagens é, por isso, uma das respostas mais importantes para defender as florestas, a biodiversidade e os modos de vida das comunidades locais.

Os herbívoros são fundamentais neste processo pois consomem a vegetação inflamável, razão aliás, por que são chamados de “bombeiros de pastoreio”.

Os resultados da investigação, no entanto, mostram que a renaturalização tem se ser acompanhada por medidas complementares para mitigar os principais fatores de risco. De acordo com os dados citados no estudo, apenas dois por cento dos fogos florestais no Grande Vale do Côa tem origem natural.

Os restantes 98% são provocados pelo homem – dois terços dos quais por negligência, incluindo incêndios para fertilizar a terra destinada a pastagens de ovelhas e cabras, queimas de resíduos de agricultura sem autorização e trabalho com máquinas em dias quentes.

Veado
Animais herbívoros como veados e cavalos selvagens limpam a floresta da vegetação inflamável, reduzindo os riscos de incêndios. Foto: Pixabay

Os dados analisados pela equipa de investigadores permitiram ainda concluir que a frequência média dos grandes incêndios no Grande Vale do Côa é de um em cada seis anos. Significa isto que o ecossistema não tem o tempo para se regenerar e evoluir para uma paisagem mais resiliente às alterações do clima.

O gado tem pouco impacto na mitigação dos riscos

O pastoreio do gado domesticado tem sido, segundo os investigadores, a solução mais apoiada pelos governos em toda a Europa. Os resultados do estudo mostram, porém, que a sua eficácia na prevenção de incêndios florestais é reduzida. A maior parte do gado no Grande Vale do Côa pasta sozinho em pequenas parcelas de terreno e com alimentação complementar.

A investigação conclui que este tipo de pastoreio não reduz risco de incêndio porque os animais se alimentam unicamente de vegetação verde, deixando de parte o material lenhoso mais seco e também mais inflamável. Essa é precisamente a lacuna que os herbívoros selvagens podem colmatar, trazendo benefícios ecológicos únicos ao criar paisagens mais resistentes ao fogo.

Vacas
Os animais domesticados, como o gado bovino, alimentam-se de ervas frescas e não tanto de vegetação seca e inflamável. Foto: Pete Linforth/Pixabay

O pastoreio do gado domesticado, por si só, não é uma solução eficaz, alertam os autores do estudo. A estratégia de prevenção terá, acima de tudo, de ser holística, abordando as causas sociais dos incêndios e incluindo as soluções baseadas na natureza, rematam os autores.

Referência da notícia

Kirkland, M. Atkinson, P.W. Aliácar, S. et al. Protected areas, drought, and grazing regimes influence fire occurrence in a fire-prone Mediterranean region.Fire Ecology (2024).