Invasões napoleónicas, erupções vulcânicas e conquistas marítimas: a atribulada e breve história da 10ª ilha dos Açores
Em 1811, uma ilhota emergiu ao largo de São Miguel. Os ingleses apressaram-se a declarar a sua soberania, criando um embaraço diplomático. A natureza, porém, acabou por resolver o incidente ao provocar o seu desaparecimento ao fim de alguns meses. Saiba mais sobre este insólito episódio que fez tremer a velha aliança entre Portugal e Inglaterra.
Recuemos até inícios de 1811 para contar esta história. A família real e a Corte encontram-se refugiadas no Brasil. Portugal, do outro lado do Atlântico, procura resistir à terceira e última invasão francesa, o que acabaria por acontecer, com a ajuda dos ingleses, em abril desse mesmo ano.
Por essa altura, o navio de guerra britânico HMS Sabrina, comandado pelo capitão James Tillard, vigia a costa portuguesa atento às movimentações do inimigo. Fazendo a aproximação da embarcação a Ponta Delgada por sudoeste, o comandante inglês avista, a 12 de junho de 1811, uma erupção vulcânica com intensas colunas de fumo na superfície do mar.
O relato, registado no seu diário de bordo, pode ainda hoje ser consultado no arquivo digital do Philosophical Transactions of the Royal Society.
Logo na manhã seguinte, o navio atraca no porto de Ponta Delgada. O comandante Tillard está decidido a investigar o sucedido e apressa-se a visitar o cônsul inglês residente em São Miguel, William Harding Read. Fica então a saber que a ilha se encontra sob efeito de uma crise sísmica. Os abalos, sentidos desde janeiro, causam o pânico entre a população que, impotente diante da força da natureza, reza dia e noite pela salvação das suas almas.
Uma ilha circular no horizonte de São Miguel
O capitão inglês, porém, não se deixa intimidar, como conta o oficial da Marinha de Guerra, Adelino Rodrigues da Costa, no seu livro “As Histórias Marítimas dos Açores” (Publicações Academia da Marinha). Parte a cavalo, a 14 de junho, para os Ginetes, freguesia de São Miguel, de onde observa a erupção vulcânica nos dias seguintes. O vulcão apenas cessaria a sua atividade duas semanas mais tarde e, a 4 de julho, o comandante do Sabrina consegue, por fim, avistar uma ilha quase circular, com cerca de uma milha (ou 1,61 km) de perímetro.
Com o regresso do bom tempo, o navio HMS Sabrina pode finalmente deixar São Miguel e aproximar-se da ilha recém-formada. O capitão e alguns dos seus homens lançam-se então ao mar num bote, remando energicamente até encalhar no areal negro e ainda a fumegar.
James Tillard e o cônsul William Read caminham algumas centenas de metros, penetrando o interior da ilha. Hasteiam a bandeira britânica e, logo ali, sem pompa nem cerimónia, reivindicam a posse formal do território em nome de Sua Majestade. Batizam-na de Sabrina, o nome do navio, como era prática corrente nessa altura.
Nesses tempos, convém também esclarecer, o entendimento de águas territoriais ou nacionais estava ainda a milhas de distância do conceito jurídico atual. As novas terras poderiam ser reclamadas por quem chegasse primeiro e ali plantasse uma bandeira. O atrevimento de Tillard, ainda assim, não cai nada bem na Corte portuguesa.
Adivinhava-se um conflito diplomático entre Portugal e Inglaterra sobre a posse da 10ª ilha dos Açores.
A Casa Real, no entanto, refugiada no Rio de Janeiro e, com uma dívida de gratidão aos ingleses ainda por saldar, após as invasões napoleónicas, tinha pouca margem para fazer valer os seus direitos.
Sabrina engolida pelo Atlântico
Nunca saberemos como poderia ter evoluído o incidente que deixou o rei D. João VI numa posição bastante vulnerável. A Natureza decidiu colocar uma pedra sobre o assunto e, em outubro desse mesmo ano, a ilha Sabrina desintegrou-se no mar, não deixando qualquer vestígio sobre a sua efémera existência.
Por detrás deste fenómeno, todavia, há uma explicação bem familiar para os vulcanólogos. Não é incomum o processo de formação de uma ilha oceânica sofrer retrocessos, após meses de interrupção da atividade vulcânica, ficando à mercê da erosão do mar.
O contrário também poderá ocorrer, com a expansão das terras a prosseguir se as erupções se mantiverem constantes. O seu crescimento está ainda dependente de variações do nível do mar e movimentações verticais, como afundamento e levantamento, que interferem na sua construção e destruição.
A muito longo prazo, aliás, todas as ilhas acabam por se afundar, devido ao seu enorme peso depositado no fundo oceânico, ou litosfera oceânica, que se vai encurvando com o peso da estrutura vulcânica.
Referências do artigo:
James Tillard. A Narrative of the Eruption of a Volcano in the Sea of the Island of St. Michael. Philosophical Transactions of the Royal Society of London (1812).
Rodrigues da Costa, Adelino. As Histórias Marítimas dos Açores: Batalhas e Combates, Piratas e Corsários. Temporais, Naufrágios, Perdições e Outras Histórias Marítimas. Publicações Academia da Marinha (2021)
Ana Rita Maciel. Ilhas que apareceram e desapareceram nos Açores. Jornal Público (setembro 2020).