Instituto de Conservação da Natureza lança novo incentivo para apoiar o uso de cabras na prevenção de fogos rurais
Medida visa colmatar a fraca adesão do programa, mas só será bem-sucedida se forem tidos em conta fatores económicos, sociais e culturais dos territórios, avisa investigador da Universidade de Lisboa.
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O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) está a preparar uma nova medida para apoiar o pastoreio no âmbito da prevenção de incêndios rurais. O incentivo será anunciado ainda este ano e pretende inverter a fraca adesão que o programa obteve até à data.
Criado em 2017, após os incêndios de Pedrogão Grande, a sua procura ficou muito aquém do esperado. As candidaturas aprovadas totalizaram cerca de 800 mil euros, quando havia uma verba de dez milhões disponíveis nos avisos lançados entre 2018 e 2019.
A medida permitiu incluir um total de 3.346 hectares nas ações de limpeza realizadas por estes animais ao longo de cinco anos. Entre a meia centena de rebanhos abrangidos pelo programa, quatro são geridos por entidades públicas e a maioria está concentrada nas regiões Centro (15) e Norte (21).
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Houve ainda 13 desistências, segundo o ICNF, que, na nota enviada à agência Lusa, reconhece a necessidade de repensar a forma como o programa está a ser aplicado. Tendo em conta as advertências dos investigadores, a conclusão não é inesperada.
Repensar a estratégia para atrair mais candidatos
A tese doutoral do antropólogo do Instituto Universitário de Lisboa, Júlio Sá Rêgo, avisava já em 2022 que o programa nunca poderá alcançar bons resultados enquanto negligenciar a complexidade do sistema agropastoril.
Intitulado “De sol a sol": dois estudos pastoris de prevenção de incêndios rurais”, o trabalho do investigador do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA) chama a atenção para a necessidade de incluir, nesta estratégia, as dimensões económicas, culturais e fundiárias associadas aos animais que estão presentes no território.
O uso de cabras sapadoras na prevenção de incêndios rurais produz efeitos positivos, comprovados por estudos científicos, sendo inclusive um recurso aplicado desde a década de 1980 em países como a França.
Para resultar, todavia, o investigador defende que a abordagem deve incluir outros animais, como vacas e ovelhas. Diversificar o gado ruminante é uma forma de ganhar complementaridade, com cada espécie a consumir um diferente tipo de vegetação.
A eficácia desta medida está também profundamente dependente da função do pastor, como “gestor do mato” e “guardião da paisagem”, lê-se no estudo do investigador.
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Ao contrário do que se possa pensar, a cabra não come qualquer coisa que lhe apareça à frente. A sua dieta tem uma estreita relação com a confiança desenvolvida com os seus cuidadores. Este é o motivo por que o antropólogo do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) defende uma maior valorização do papel do pastor, um elemento central nesta dinâmica, que deveria ser mais bem recompensado por prestar um serviço de enorme valor económico e social.
Reduzir a burocracia e aumentar o financiamento
Demasiada burocracia nas candidaturas e dificuldade no acesso aos apoios também não ajudam a implementar com eficácia o programa, alerta Júlio Sá Rêgo. Os pastores têm um grande conhecimento da paisagem e dos animais e ainda uma forte educação ambiental. Mas não são, na sua maioria, uma população familiarizada com processos complexos que implicam preencher formulários, pedir subsídios e lidar com trâmites administrativos.
O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas reconheceu que a inexistência de uma medida que permitisse ao pastor obter assistência técnica para a submissão de candidaturas e pedidos de pagamento contribuiu para limitar o alcance do programa.
O novo incentivo, atualmente a ser preparado, irá também refletir o valor financiado por hectare de pastoreio, que o instituto admite ser baixo, tendo em conta a exigência que a atividade pastorícia acarreta.
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Com a execução das candidaturas dos três avisos anteriores terminada - a última encerrada a 31 de dezembro de 2024, o ICNF assegura estar agora a trabalhar numa medida mais robusta com vista a intensificar o papel do pastoreio na prevenção de incêndios em meios rurais.
Referências da notícia
Agência Lusa. ICNF cria nova medida para cabras sapadoras face à baixa procura do apoio anterior.
Júlio Sá Rêgo. "De sol a sol": dois estudos pastoris de prevenção de incêndios rurais. Tese de doutoramento. Instituto Universitário de Lisboa. Repositório do ISCTE. http://hdl.handle.net/10071/24159