Há vida nos cemitérios e não são almas penadas: espécies raras encontram refúgio nas campas do Reino Unido
Mais de 25 mil igrejas inglesas foram mapeadas no maior recenseamento sobre a vida selvagem junto de sepulturas e jazigos. Dez mil espécies foram identificadas, 80 das quais na lista vermelha.
Nos meses de verão, o pequeno cemitério rural da Igreja de St Mary, na vila de Caynham, em Inglaterra, enche-se de flores silvestres, atraindo uma grande variedade de insetos e pássaros. Espécies como as borboletas loba e a pirónia ou aves como o chapim-azul, o pisco-de-peito-ruivo ou o verdilhão encontraram nos jardins que cercam as sepulturas um rico e diversificado ecossistema para se reproduzirem e buscarem alimento.
Não é de agora a suspeita de que os jardins a envolver as campas, no Reino Unido, albergam uma grande biodiversidade. Ninguém, no entanto, fazia ideia do número de animais e de espécies a viver nestes lugares silenciosos e tranquilos.
A empreitada é gigantesca e, por isso, o público foi convidado a visitar os cemitérios e a registar na plataforma online da instituição todas as espécies avistadas. O recenseamento ainda está a decorrer, mas, até à data, mais de 30 mil visitantes participaram na iniciativa.
O programa conta ainda com o apoio de várias organizações de conservação da Natureza, como a British Trust for Ornithology, a British Lichen Society, a Butterfly Conservation e a Botanical Society of Britain and Ireland.
O abrigo das espécies em perigo
Ao longo do último ano já foram catalogados cerca de 800 mil animais de 10 800 espécies distintas. Entre as dezenas de milhares de registos, há pelo menos 80 espécies que se encontram na lista vermelha da União Internacional de Conservação da Natureza.
Da grande diversidade de fauna e flora que se refugia nos cemitérios, um quarto das espécies já registadas estão classificadas como ameaçadas, vulneráveis, em perigo ou criticamente em perigo, como são os casos do arganaz, do ouriço-cacheiro, da borboleta Satyrium w-album, da erva-agulha ou da Anaptychia ciliaris, planta originária do Norte da Europa.
No cemitério da Igreja Arnos Vale, na cidade de Bristol, os cerca de 11 mil registos resultaram, por exemplo, na identificação de mais de mil espécies. No Morningside Cemetery, em Edinburgh, o grupo Cemetery Wildlife Watch documentou numerosos invertebrados considerados raros, incluindo o escaravelho vermelho e o blaps mucronat, apropriadamente conhecido como escaravelho do cemitério.
O cemitério da Igreja St Michael, na zona rural de Powys, no País de Gales, é, por outro lado, o local ideal para os amantes da vida selvagem noturna. O lugar já era bastante conhecido por ser frequentemente assombrado por diferentes tipos de morcegos.
O cemitério da Igreja de St Helen, no condado de Durham, em Inglaterra, já é historicamente um hotspot de borboletas, mas o recenseamento permitiu descobrir que, entre as raridades, estão as borboletas Erynnis tages, Lasiommata megera, que em Portugal é conhecida por salta-cercas, e a Coenonympha pamphilus, também chamada de borboleta nêspera.
Uma ameaça a pairar sob os cemitérios
Muitas mais espécies poderão vir a ser ainda identificadas à medida que o censo avança nos cemitérios do Reino Unido. Os dados estão a ser compilados para virem a ser utlizados por escolas, organizações públicas e privadas e sobretudo decisores políticos.
Os promotores da iniciativa estão convencidos de que compreender o valor da biodiversidade junto das igrejas é o primeiro passo para ajudar a proteger estes locais. Os cemitérios mais antigos, adverte a Caring for God’s Acre, estão eles próprios também ameaçados com a pressão urbanística.
Referências da notícia
NBN Atlas. "Making the most of biodiversity data in burial grounds". Caring for God’s Acre
Helena Horton. "UK churchyards are havens for rare wildlife, finds conservation charity" The Guardian.