Guardiãs da Natureza: estas 100 mulheres protegem o mundo rural em Portugal

O empreendedorismo feminino está a crescer nas reservas naturais do país, com agricultoras, padeiras, artistas ou investigadoras unidas numa rede de entreajuda para proteger a natureza e a sustentabilidade dos meios rurais.

Hortas biológicas de Ângela Rosa
Ângela Rosa promoveu 67 talhões de hortas comunitárias em Tavira e promete não ficar por aqui. Foto: guardiasdanatureza.pt

À entrada da cidade de Loulé, a Quinta do Rosal é o habitat perfeito para cultivar o Cardo – Cynara cardunculus. Usada desde a antiguidade, na culinária e para fins medicinais, a espécie, típica do mediterrâneo, foi sendo menosprezada nas décadas mais recentes, crescendo nos baldios com poucos a repararem no seu valor.

Nesta propriedade com cerca de 20 hectares, o cardo de tons roxos, conhecido também como cardo-leiteiro ou cardo-coalheiro, está finalmente a recuperar o seu estatuto.

Utilizado tradicionalmente no fabrico de queijos, como o da Serra da Estrela e o de Nisa, pode ter muitas mais utilidades quando misturados em sopas, usados em chás e até na produção de papel.

Mas esta não é a única espécie a desabrochar na Quinta do Rosal. O grão-de-bico e o chícharo também são aqui cultivados, gozando de um microclima influenciado pela brisa do mar e pelo calor das serras algarvias.

Quinta do Rosal, Loulé
Paula Preto recuperou o cultivo de plantas esquecidas na Quinta do Rosal, em Loulé. Foto: guardiasdanatureza.pt

À frente deste projeto está Paula Preto, determinada a produzir plantas milenares esquecidas. Outrora abundantes na região, são culturas com baixas necessidades de água e reduzido impacto ambiental, contribuindo por isso para a mitigação e adaptação climática.

O empreendedorismo feminino no interior do país

Paula Preto é uma das cerca de 100 mulheres que fazem parte da Rede de Guardiãs da Natureza. Este é o projeto, inaugurado em junho de 2024, que ambiciona envolver e capacitar as mulheres que trabalham em meios rurais.

Nesta plataforma de cooperação, as empreendedoras rurais partilham conhecimentos e boas práticas que contribuem para proteger a natureza e aumentar a resiliência nas povoações de baixa densidade populacional.

Focada na sustentabilidade ambiental e na economia circular, esta rede é financiada pelo Fundo Ambiental/Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas no âmbito do Plano de Ação do Movimento das Mulheres pelo Clima. O intuito passa por criar uma cadeia profundamente interligada com guardiãs e defensoras da sustentabilidade distribuídas por territórios rurais de norte a sul do país.

Grupo de Teatro Amador de Fornos de Algodres
O grupo de teatro amador de Fornos de Algodres produz peças e outras performances, envolvendo a comunidade local. Foto: guardiasdanatureza.pt

Dinamizado pela empresa social Business as Nature, o programa está presente em oito áreas protegidas do país - Montesinho, Litoral Norte de Esposende, Dunas de S. Jacinto/Aveiro, Paul de Arzila/Baixo Mondego, Serra da Estrela, Estuário do Sado, Ria Formosa e Vale do Guadiana.

A iniciativa continua a expandir-se e chegou agora ao Parque Natural do Douro Internacional, onde as mulheres desta região também já podem candidatar-se com os seus projetos sustentados em boas práticas ambientais.

A segunda fase de inscrições irá abranger mais seis áreas protegidas. O Estuário do Tejo e Douro Internacional é a primeira de um lote que, durante as próximas semanas, irá incluir as áreas protegidas na Peneda-Gerês, Serra de Aires de Candeeiros, Serra da Lousã/Açor e Tejo Internacional.

Uma plataforma para todas as idades e habilitações

Nesta plataforma de projetos no feminino, há lugar para todas as idades e diferentes experiências de vida. A faixa etária das guardiãs abrangidas pelo programa vai dos 20 aos 80 anos, com habilitações que começam na quarta classe e terminam no doutoramento.

As suas competências também não podiam ser mais diversificadas. Há pastoras que cuidam de ovelhas, borregos e abelhas no Parque Natural da Serra da Estrela, como é o caso da bióloga e engenheira florestal Ana Teresa Matos. Há também uma padeira na aldeia de Gimonde, em Bragança. Elisabete Ferreira trabalha com as suas próprias mãos as farinhas nativas da região para fazer pão trigo sarraceno biológico e variada pastelaria transmontana.

Chão do Rio, Seia
Após o incêndio de 2017 o projeto Chão do Rio arrancou com a regeneração de uma floresta, no município de Seia. A área voltou a arder em 2022, mas as guardiãs deste projeto não desistiram. Foto: guardiasdanatureza.pt

Muitas outras mulheres fazem parte deste clube, que está a crescer rapidamente. Chão do Rio, no município de Seia, é um projeto de turismo de aldeia que está a recuperar uma área florestal de quatro hectares atingida pelos incêndios em 2017 e 2022 com espécies autóctones, como carvalhos, sobreiros ou medronheiros.

O Grupo de Teatro Amador de Fornes de Algodres desafia a população local a participar em peças dramatúrgicas que valorizam a sua própria cultura e património. E temos ainda o exemplo de Maria Augusta Almeida que, em parceria com a Associação Rio Neiva, trabalha com centenas de crianças e idosos das freguesias rurais de Esposende, levando-os a explorar a natureza em atividades recreativas, pedagógicas e desportivas.

Douro Internacional
A Estação Biológica Internacional Duero-Douro foi fundada por Susana Bonnail para promover a investigação científica, a educação ambiental, o ecoturismo e a inovação tecnológica. Foto: Estação Biológica Internacional (EBI).

Com esta pequena amostra, já deu para perceber que as Guardiãs da Natureza trabalham em múltiplas frentes para defender o ambiente, mas também o património e a herança cultural, dimensões igualmente fundamentais para proteger os meios rurais.

Referência da notícia

Rede de Mulheres Guardiãs da Natureza e Desenvolvimento Sustentável do Mundo Rural: https://guardiasdanatureza.pt/