Floresta, produtores de leite e cooperativas criticam cortes da PAC no investimento agrícola para Portugal

Quatro estruturas do setor florestal, produtores de leite e a Confederação das cooperativas agrícolas estão "perplexas" com a terceira reprogramação do Plano Estratégico da PAC de Portugal, apresentada pelo Governo para levar a Bruxelas. Cortes chegam aos 50%.

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A reprogramação das verbas da PAC e a sua distribuição entre pilares está longe de ser consensual entre as organizações agrícolas, nomeadamente entre as que têm assento no comité de acompanhamento no continente do PEPAC Portugal, que reuniu nesta quarta-feira, 9 de outubro.

As maiores organizações agrícolas nacionais - CONFAGRI, CAP e CNA -, acompanhadas de outras cinco organizações agrícolas, florestais e organizações não governamentais deram esta quarta-feira, 9 de outubro, parecer negativo à proposta da terceira reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum para Portugal (PEPAC Portugal 2023-2027), apresentada pelo Governo.

Nuno Serra, secretário-geral da CONFAGRI - Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, garantiu, à saída da reunião do comité de acompanhamento no continente do PEPAC, em Lisboa, que “não pode aceitar o drástico corte nos valores apresentados na terceira reprogramação” do documento.

Perante a representante da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia, que acompanha a aplicação do PEPAC de Portugal, o secretário-geral da CONFAGRI criticou "o corte no apoio ao investimento agrícola e rejuvenescimento, no montante de 221 milhões, e na bioeconomia e silvicultura sustentável, no montante de 181 milhões de euros".

A proposta de "redução de 50% do apoio à gestão de riscos e à organização da produção foi outro dos motivos que originou aquela posição", disse o responsável da Confederação.

"O setor agrícola mostrou hoje, de forma clara, que não pretende abdicar do futuro", afirmou Nuno Serra, da CONFAGRI, reiterando que, “não apostar no investimento é abdicar do futuro da agricultura e deitar a perder a possibilidade, atribuída pela PAC, de os agricultores inovarem nas suas produções, melhorarem as suas práticas sustentáveis e serem mais competitivos nos mercados europeus e globais”.

Mostrando “grande desapontamento” face ao modelo do PEPAC que consta da terceira reprogramação e que o ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, se prepara para entregar em Bruxelas durante a próxima semana, Nuno Serra constata: “[o documento] continua a não incentivar a produção”, o que “trará consequências dramáticas para o caminho da autossuficiência alimentar” de Portugal.

Para a CONFAGRI, “Portugal necessita de uma estratégia de produção e crescimento”, defendendo que “as políticas públicas devem ser usadas para quem faz uma gestão ativa e produtiva do território, discriminando positivamente quem produz e contribui positivamente para o PIB nacional”.

570 milhões do FEAGA para o FEADER

O ministro da Agricultura tem reiterado, desde o início da legislatura, que “a prioridade é aumentar o rendimento dos agricultores, dos produtores florestais e dos pescadores” através da “utilização dos fundos da Política Agrícola Comum”. A Resolução de Conselho de Ministros nº 108/2024, de 21 de agosto, foi tomada, justamente, nesse sentido.

Ao instituir uma medida de apoio para 2025, destinada a “compensar a suborçamentação dos regimes ecológicos para o clima, o ambiente e o bem-estar dos animais”, o Governo quis ir ao encontro das pretensões da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal.

Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação, tem assumido em vários fóruns, o último dos quais em Cáceres, no Congresso Ibérico Agropecuário e Florestal, no final de setembro, que apresentaram ao Ministério da Agricultura “um conjunto de propostas”, nomeadamente para a pecuária extensiva e a floresta.

Na deliberação de finais de agosto, em Conselho de Ministros, o Governo assumiu que, “no âmbito da terceira reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum para Portugal, serão efetuadas transferências das intervenções referentes aos Ecorregimes da Produção Integrada e da Agricultura Biológica asseguradas pelo FEAGA [Fundo Europeu Agrícola de Garantia], ascendendo a um montante total de 570 milhões de euros para financiamento no FEADER [ Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural]”.

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A FENALAC, estrutura agregada na CONFAGRI, referiu, em comunicado, que a reprogramação do PEPAC “apresenta uma forte redução das verbas disponíveis para o investimento na agricultura”, o que é “inaceitável do ponto de vista do setor leiteiro”. “Os cortes previstos, na ordem dos 50%, representam um rude golpe nas expectativas dos produtores de leite", dizem.

Ora, essa transferência de verbas do segundo pilar da PAC [que financia a modernização e o investimento agrícola e agroalimentar] para o primeiro pilar [que financia o rendimento dos agricultores através dos pagamentos diretos, na condição de cuidarem dos terrenos agrícolas e cumprirem certas normas de segurança dos alimentos], permitirá, no entender do Governo, “a disponibilização de verbas potenciando o apoio ao rendimento do agricultor”.

Cortes de 50% no setor leiteiro

Só que esta reprogramação das verbas da PAC e a sua distribuição entre pilares está longe de ser consensual entre as organizações agrícolas, nomeadamente entre as que têm assento no comité de acompanhamento do PEPAC Portugal no continente, que reuniu, justamente, nesta quarta-feira, 9 de outubro.

O descontentamento rapidamente veio a público. Quatro estruturas do setor florestal – FORESTIS, FÓRUM FLORESTAL, FEDERAÇÃO FLORESTAL e FENAFLORESTA -, mais a FENALAC – Federação das Cooperativas de Produtores de Leite e a CONFAGRI reagiram publicamente contra as intenções do Governo. A CAP, apesar de hoje ter emitido parecer desfavorável, não emitiu qualquer comunicado até à hora de fecho deste trabalho.

Fernando Cardoso, secretário-geral da FENALAC, estrutura agregada na CONFAGRI, referiu, em comunicado, que a reprogramação do PEPAC “apresenta uma forte redução das verbas disponíveis para o investimento na agricultura”, o que é “inaceitável do ponto de vista do setor leiteiro”. “Os cortes previstos, na ordem dos 50%, representam um rude golpe nas expectativas dos produtores de leite, na medida em que são urgentes investimentos na modernização das explorações leiteiras”, diz o responsável da Federação.

Defendendo que o setor leiteiro “precisa urgentemente de um pacote robusto de apoio à restruturação das unidades produtivas”, desde logo para fazer face ao “ajustamento às alterações climáticas” e à “redução de custos operacionais, nomeadamente as despesas com energia”, o secretário-geral da FENALAC deixou o aviso: “a implementação destes investimentos é fundamental para o desenvolvimento sustentável da fileira do leite, garantindo a sua competitividade”.

Além do mais, diz a FENALAC, “o PEPAC deve apoiar a atividade económica agrícola em detrimento da simples remuneração da propriedade”.

“O resultado será dramático”

Igualmente “perplexo” com o processo de reprogramação do PEPAC está o ex-secretário de Estado da Agricultura, Gonçalo Rodrigues.

“De acordo com o modelo de reprogramação do PEPAC a submeter à Comissão Europeia, a estratégia atual passará por reduzir significativamente os montantes de apoio ao investimento e à modernização”, diz o ex-governante. Para a seguir confessar “perplexidade” e perguntar: “Como podemos querer uma agricultura competitiva sem potenciarmos o investimento?”

Gonçalo Rodrigues não sabe “como medir o impacto desta decisão”, mas de uma coisa tem a certeza: “o resultado será dramático, levando à insustentabilidade de muitos dos nossos agricultores”.

No setor da Floresta, FORESTIS, FÓRUM FLORESTAL, FEDERAÇÃO FLORESTAL e FENAFLORESTA também estão incrédulas com os cortes anunciados, que chega aos “44% dos incentivos financeiros previstos para o setor florestal” relativamente aos valores inicialmente previstos, em 2023.

Em cima da mesa está a “retirada de 121, 5 milhões de euros de verbas destinadas ao investimento estratégico no setor” que, dizem, “não podemos aceitar”.