Estudo revela que mortes associadas ao calor do verão de 2023 ultrapassam as 47 mil

Estudo recente do Instituto de Salud Global de Barcelona revela o número de mortes associadas ao calor registadas no verão de 2023: mais de 47 mil. Um número alarmante e que seria muito superior não fosse a adaptação aos longo dos anos, revela.

O calor extremo continua a causar um número alarmante de mortes em toda a Europa.

O verão do ano passado (2023) foi o mais quente desde que há registos globais e a segunda estação mais tórrida já registada na Europa. Os meses de julho e agosto, considerados verão meteorológico no Hemisfério Norte, foram 0,23 ºC mais quentes do que qualquer outro verão, segundo a NASA e 1,2 ºC mais quentes do que a média entre 1951 e 1980.

Globalmente, os últimos 9 anos foram os mais quentes já registados. O velho continente surge como um importante hotspot climático (ou seja, uma região mais vulnerável às alterações climáticas) dado que o aquecimento verificado desde os níveis pré-industriais (1850-1900) é 1 ºC superior ao correspondente aumento global e superior a qualquer outro continente.

Quer isto dizer que a temperatura na região subiu cerca de 2,3 °C face ao período supracitado, segundo um recente relatório da Organização das Nações Unidas.

Portugal é disso exemplo claro. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), o verão de 2023 foi extremamente quente em relação à temperatura do ar. Foi o 6º verão mais quente dos últimos 93 anos. O valor médio da temperatura média do ar foi de 22.90 ºC, 1.65 ºC superior ao valor normal de 1971-2000.

O valor médio da temperatura máxima, 29.80 °C, foi 2.17 ºC superior à normal, sendo o 6º mais alto desde 1931. O valor médio da temperatura mínima do ar, 16.00 ºC, também foi superior ao valor normal (+1.13 °C) e é o 7º valor mais alto desde 1931.

Durante os três meses de verão, destacam-se os meses de junho e agosto com valores de temperatura do ar muito superiores ao normal, tendo sido o 5º e o 6º mais quentes, respetivamente, desde 1931.

Destaca-se a ocorrência de três ondas de calor: entre 22 e 28 junho, de 5 a 11 agosto e entre 18 e 25 de agosto que abrangeram as regiões do vale do Tejo, interior Norte e Centro e região Sul. Em agosto foram ultrapassados os máximos do mês na temperatura máxima em 20 estações, tendo sido ultrapassados os máximos históricos em 7 estações.

É manifesto que as temperaturas estão a subir de forma acelerada e os eventos climáticos extremos estão a tornar-se cada vez mais frequentes, face a uma cada vez mais evidente concentração de gases de efeito estufa, fruto das emissões antrópicas.

Impactos na morbilidade e mortalidade

Ora, exposição ao calor representa uma grande ameaça para populações de alto risco na Europa e no mundo, contribuindo substancialmente para o aumento da morbilidade e mortalidade.

A mortalidade relacionada ao calor tem sido uma grande preocupação nas últimas duas décadas na Europa, especialmente após o excesso de 71.449 mortes registadas durante os meses de junho, julho, agosto e setembro de 2003. Estas mortes foram atribuídas, sobretudo, a ondas de calor.

O estudo recentemente publicado revela que em 2023 morreram 47.690 pessoas associadas ao calor nos 35 países analisados, das quais 47.312 mortes teriam ocorrido no período mais quente do ano (entre 29 de maio e 1 de outubro).

Em contraste com o verão de 2022, que foi caracterizado por temperaturas extremas persistentes na parte central da estação, de meados de julho a meados de agosto, nenhuma grande anomalia térmica foi registada durante as mesmas semanas em 2023. No entanto, dois episódios de altas temperaturas em meados de julho e no final de agosto terão sido responsáveis por mais de 57% da mortalidade geral estimada, com mais de 27.000 mortes.

Portugal está entre os países com maior mortalidade dos 35 estudados.

Para conseguir estabelecer uma relação clara entre a mortalidade e o calor, os investigadores utilizaram dados da temperatura e mortalidade para o período 2015-2019, em 823 regiões de 35 países europeus.

As regiões e os países mais afetados

Os países com as maiores taxas de mortalidade relacionadas ao calor encontram-se no sul da Europa, tais como Grécia (393 mortes por milhão), Bulgária (229 mortes por milhão), Itália (209 mortes por milhão), Espanha (175 mortes por milhão), Chipre (167 mortes por milhão) e Portugal (136 mortes por milhão).

Em relação à população, o estudo estima revela que o calor extremo afetou sobretudo a população feminina e idosos. A taxa de mortalidade relacionada ao calor foi 55% maior em mulheres do que em homens, e 768% maior em pessoas com mais de 80 anos do que em pessoas com idade entre 65 e 79 anos.

Os autores do estudo alertam que estes números podem revelar que a carga real de mortalidade relacionada ao calor está subestimada. Devido à indisponibilidade de registos diários e homogéneos de mortalidade durante o ano de 2023, os autores tiveram que usar contagens semanais de mortes do Eurostat.

Estes mesmos autores tinham já demonstrado num artigo anterior que o uso de dados semanais levaria a uma subestimação da carga de mortalidade relacionada com o calor.

Deste feita, os investigadores estimam que o número real de mortes possa ter sido na ordem de 58.000 mortes nos 35 países estudados, embora estimativas mais aproximadas só consigam ser obtidas se os dados de mortalidade aprimorados fossem disponibilizados à comunidade científica.

Estudo revela que adaptação feita pelos povos europeus diminuiu drasticamente o número de mortes causadas pelo calor intenso.

Adaptação ao calor intenso previne 80% das mortes

Nos últimos anos os cidadãos europeus têm revelado uma cada vez maior resiliência ao calor intenso, revela o estudo. Os autores estimam que se as temperaturas registadas em 2023 tivessem ocorrido no período de 2000-2004, a mortalidade estimada relacionada com o calor teria ultrapassado o número de 85.000 mortes, ou seja, 80% superior ao resultado decorrente da vulnerabilidade ao calor no período de 2015-2019.

“Os nossos resultados mostram como houve processos de adaptação social às altas temperaturas durante o século atual, que reduziram drasticamente a vulnerabilidade relacionada com o calor e a carga de mortalidade dos verões recentes, especialmente entre os idosos”.

Elisa Gallo, investigadora do ISGlobal e autora do estudo.

Para as pessoas com mais de 80 anos, o número de mortes teria mais do que duplicado, passando de 1.102 para mais de 2.200 mortes relacionadas com o calor.


Referência da notícia:

Gallo, E., Quijal-Zamorano, M., Turrubiates, R. et. al. (2024). Heat-related mortality in Europe during 2023 and the role of adaptation in protecting health. Nature Medicine.