Estará a Europa preparada para enfrentar o impacte crescente das inundações?

Numa semana em que Portugal continua a lidar com incêndios florestais exacerbados pelas altas temperaturas e a humidade do ar baixa, a Europa Central regista inundações devastadoras causadas pela tempestade Boris.

Inundações Austria
Inundações na Europa preocupam autoridades, sendo que já provocaram várias mortes, desaparecidos e desalojaram famílias na Roménia, na Polónia, na Chéquia e na Áustria.

As inundações que devastam a Europa Central esta semana são um aviso relativamente ao exacerbar dos fenómenos meteorológicos extremos, associados às alterações climáticas.

As inundações já provocaram a morte de mais de 20 pessoas na Roménia, Polónia, Chéquia e Áustria, e forçaram milhares de pessoas, inclusive na Hungria e Eslováquia, a abandonar as suas casas. Com o aumento do número de desaparecidos e deslocados, as autoridades locais necessitam de algum modo controlar o impacte de uma situação de grande escala.

Estarão as inundações na Europa a tornar-se um fenómeno incontornável devido às alterações climáticas?

As causas destas inundações devastadoras estão associadas a uma depressão lenta, chamada tempestade Boris, que trouxe chuvas torrenciais a esta região da Europa Central. Em apenas quatro dias, a tempestade provocou valores de precipitação superiores à média prevista para o mês de setembro. Cidades inteiras estão submersas em águas castanhas, causando a interrupção de sistemas de transporte e a destruição de infraestruturas.

Na cidade de Ostrava, na Chéquia, as operações de resgate têm sido intensas, com equipas de salvamento a evacuar os residentes mais vulneráveis, utilizando barcos para navegar pelas ruas inundadas. Na Polónia, as autoridades emitiram um aviso urgente a 42 000 habitantes, pedindo que evacuassem as casas, face à previsão de novas chuvas intensas.

Segundo Sissi Knispel de Acosta, secretária-geral da Aliança Europeia para a Investigação Climática, estas inundações “são uma manifestação clara da ameaça crescente dos eventos climáticos extremos induzidos pelas alterações climáticas”.

Esta organização, composta por vários grupos de investigação que estudam o aquecimento global, alerta que eventos como este serão cada vez mais frequentes e intensos.

Infraestruturas e equipamentos não estão preparados para os extremos climáticos que se avizinham

A Tempestade Boris foi causada por um fenómeno invulgar no final do verão europeu: uma frente de ar polar vinda do Norte, que fez as temperaturas descerem drasticamente em menos de 24 horas. Ao colidir com o ar quente e húmido vindo do sul da Europa, formou-se uma massa atmosférica carregada de vapor de água, potenciada pelas temperaturas recorde registadas no Mediterrâneo. Esta interação entre as massas de ar criou as condições perfeitas para a ocorrência de chuvas torrenciais.

Richard Rood, climatologista da Universidade de Michigan, explica que “é impossível ter um evento, especialmente um evento extremo, que não esteja relacionado com as alterações climáticas”. O aumento da temperatura global está a alterar os padrões meteorológicos, permitindo que as tempestades transportem mais humidade, o que resulta em chuvas mais intensas e maior violência dos eventos.

Este verão foi o mais quente de que há registo, segundo os responsáveis europeus, e os efeitos deste aquecimento estão a manifestar-se nas tempestades que assolam o continente.

Diana Urge-Vorsatz, professora da Universidade Centro-Europeia e vice-presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), sublinha que “as nossas infraestruturas foram desenhadas para um clima que já não existe”. Muitas das infraestruturas urbanas e rurais da Europa foram construídas com base em padrões climáticos que estão a ser alterados pela nova realidade climática.

Urge-Vorsatz alerta que os sistemas de drenagem e gestão de águas pluviais estão a ser sobrecarregados, levando a inundações mais frequentes e graves.

Acelerar a adaptação é essencial para evitar desastres climáticos futuros

Antes da chegada da Tempestade Boris, Urge-Vorsatz foi avisada por outro cientista climático para se preparar com alimentos e provisões suficientes para pelo menos três dias. No entanto, como muitos outros, ela não acreditou que o impacte seria tão severo.

“Sabemos que, com as alterações climáticas, a precipitação está a tornar-se mais intensa e frequente, mas ninguém acredita realmente até acontecer”, afirmou Urge-Vorsatz.

A destruição causada pela tempestade foi visível na sua própria casa, localizada nos arredores de Viena, onde ventos fortes derrubaram árvores, as escolas foram encerradas, e estradas e linhas de transporte foram inundadas. As interrupções no fornecimento de eletricidade afetaram dezenas de milhares de habitações na região, e a ameaça de novas inundações persiste, com as águas ainda a subir.

Especialistas alertam que eventos climáticos deste tipo tornar-se-ão cada vez mais comuns, mas ainda há muito a fazer para adaptar as infraestruturas europeias à nova realidade climática.

Sissi Knispel de Acosta defende que, para evitar futuros desastres catastróficos, a Europa deve acelerar a sua adaptação. As medidas sugeridas incluem a melhoria dos sistemas de drenagem, um planeamento urbano mais eficaz, sistemas de alerta precoce mais acessíveis e um aumento dos investimentos em infraestruturas verdes, como a substituição de superfícies de betão por materiais permeáveis e a plantação de árvores.

As previsões meteorológicas indicam que as inundações poderão atingir o leste da Alemanha nos próximos dias, devendo-se rapidamente intervir para evitar consequências significativas.