Escândalo em França. País continua a exportar pesticidas proibidos na União Europeia, descobre investigação independente

Uma legislação pouco robusta e com lacunas permitem aos gigantes da indústria química continuarem a produzir e exportar substâncias proibidas no país, uma prática reconhecida pelo Ministério da Transição Ecológica.

pesticidas França
Documentário emitido em televisão francesa faz estalar o verniz quanto à exportação de produtos pesticidas.

Um novo escândalo ligado aos pesticidas abateu-se sobre a França. Embora a exportação destes produtos químicos seja proibida neste país desde 2022 devido à sua toxicidade, um documentário exibido na France TV deu conta de uma investigação que descobriu que milhares de toneladas continuam a ser enviadas para países externos à União Europeia, onde as regulamentações são mais flexíveis.

O fabrico destes produtos químicos altamente poluentes e a utilização generalizada de pesticidas constitui uma importante fonte de poluição, contaminando a água, o solo e o ar, causando perda de biodiversidade e levando à resistência às pragas. Em França têm sido encontradas substâncias persistentes no ambiente, em concentrações muito acima dos padrões.

Várias investigações realizadas pelas associações Public Eye, Unearthed e Pesticide Action Network Europe, bem como pela equipa do programa “Vert de Rage” da France TV, deram origem ao documentário exibido recentemente, onde se revelou que em 2023 as autoridades francesas deram luz verde à exportação de quase 7 300 toneladas de produtos proibidos pesticidas, aproximadamente o mesmo volume de 2022.

A equipe do “Vert de Rage” analisou 22 amostras de frutas e legumes comprados nas principais redes de supermercados francesas e descobriu que sete deles continham resíduos de pesticidas proibidos na Europa.

O documentário dá conta de que as análises realizadas pela rede de ONGs Pesticide Action Network Europe, que analisou dados da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, permitiram constatar que os pesticidas proibidos na Europa eram mais presentes em determinadas famílias de produtos, como café, chá, temperos e alguns vegetais.

poluição
Utilização generalizada de pesticidas constitui uma importante fonte de poluição e risco para a saúde pública.

Café entre os produtos com maior presença de produtos químicos nocivos

A ONG analisou um vasto número de dados europeus e detetou quase 70 pesticidas proibidos, incluindo 21 em amostras recolhidas em França. Entre estes últimos, há pelo menos cinco pesticidas exportados de França em 2022. No total, 6% das amostras importadas estão contaminadas e 1,7% com concentrações superiores ao “limite máximo de resíduos” autorizado.

Outros alimentos apresentaram valores ainda mais escandalosos, com taxas de 38% para o café, 30% para as toranjas ou mesmo 26% para as tangerinas. Vietname, Brasil, Chile e Egipto são os países que mais exportam produtos contaminados para França. Em contrapartida, os cinco principais destinos dos pesticidas fabricados na França em 2023 seriam o Brasil, seguido pela Ucrânia, Estados Unidos, Rússia e Reino Unido.

Esta prática foi possibilitada devido a lacunas na legislação. “O principal buraco na raquete, a lei aplica-se a produtos que contêm substâncias não autorizadas, mas não às próprias substâncias ativas”, escreve Le Monde.

Gigantes químicos, como a americana Corteva e a alemã BASF, aproveitaram esta brecha para exportar em forma pura, respetivamente, mais de 3.000 toneladas de picoxistrobina, um fungicida proibido desde 2017 devido ao seu potencial genotóxico, e mais de 1.400 toneladas de fipronil, um inseticida que mata abelhas, proibido na França desde 2004.

Ciente deste buraco na lei, o Ministro da Transição Ecológica, Christophe Béchu, comprometeu-se perante a Assembleia Nacional em dezembro de 2022 a “preencher esta lacuna”. Dois anos depois, não se obtiveram quaisquer resultados.

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A maioria das exportações de pesticidas produzidos em solo francês vão parar a países cujas regulamentações são mais brandas.

Alerta para a mesa dos lares franceses

Apesar da proibição das vendas na França, há preocupações sérias de que a produção destes pesticidas esteja a afetar a água potável, as águas superficiais e os lençóis freáticos nas cidades onde as fábricas estão localizadas.

Em 2022, a agência pública francesa responsável pela segurança alimentar, a Direção Geral de Alimentos (DGAL), emitiu 2.446 recalls (recolha de produto) de alimentos, 328 deles ligados à presença de pesticidas. Entre estes, 296 continham pelo menos um pesticida proibido ou resíduo de pesticida “excedendo o limite máximo autorizado em alimentos”, informa o documentário.

Em 2022, o Sistema de Alerta Rápido para os Géneros Alimentícios e Alimentos para Animais (RASFF), um sistema de alerta europeu que relata problemas relacionados com produtos agroalimentares, informou que os resíduos de pesticidas eram a principal causa de advertências sobre alimentos.

Entre os produtos distribuídos na França, 104 das 114 notificações diziam respeito à presença de pesticidas proibidos. Em 2023, o RASFF emitiu 292 notificações para produtos que continham pesticidas, dos quais 77 apresentavam pelo menos um pesticida proibido ou resíduo de pesticidas.