Em que consiste o projeto “Saguaro” que ameaça as baleias no Golfo da Califórnia, no México?

No coração do mar que canta, um megaprojeto ameaça silenciar os seus ecos. A Saguaro Energía promete desenvolvimento, mas põe em risco a vida que habita o Golfo da Califórnia e aqueles que fizeram da água a sua casa e o seu sustento.

baleias; golfo da califórnia
Sob a luz azul: a dança migratória que transporta nutrientes dos pólos para as águas tropicais.

Azul. O “Pacífico”, que normalmente não é assim tanto, estende-se para além da vista. O cheiro salgado enche, a brisa agita os sentidos e o calor acaricia o rosto. Mais além, o canto das baleias escapa provavelmente ao ouvido humano. E então, um rugido metálico quebra o encanto natural. Ecos do Golfo da Califórnia, um santuário natural agora em risco.

O mega-projeto “Saguaro Energía”, promovido pela empresa Mexico Pacific Limited, pretende construir uma fábrica de liquefação de gás natural em Puerto Libertad, Sonora. Com ele, um paraíso marinho cuja harmonia pode estar à beira de ser destruída.

Em 15 de julho de 2005, a UNESCO reconheceu as ilhas e as zonas protegidas do Golfo da Califórnia como Património Mundial, na categoria de bens naturais.

O saguaro tem o sabor agridoce da civilização, o cheiro metálico do desenvolvimento e um toque frio e ameaçador. Ambientalistas, comunidades locais e investigadores pronunciaram-se. O Saguaro representa uma ameaça para o equilíbrio ecológico do famoso “Aquário do Mundo”. Promete milhões em investimentos e empregos, mas... a que custo?

O Golfo da Califórnia é o lar, permanente e transitório, de 85% dos mamíferos marinhos do México.

Não é a primeira vez, e infelizmente não será a última, que o desenvolvimento industrial e a natureza entram em conflito. Mas, desta vez, a escala e a localização do projeto tornam-no um dos mais alarmantes.

baleias
Quando o canto se eleva: a vida marinha do Golfo face a uma ameaça energética.

Apresentando... Energia Saguaro

Por detrás do nome emblematicamente desértico, a Saguaro Energía apresenta um mega-projeto que visa transformar a paisagem energética do norte do México... e a paisagem marítima do Golfo da Califórnia. A proposta prevê a construção de uma fábrica de exportação de gás natural liquefeito (GNL) em Puerto Libertad, Sonora.

O projeto? Transportar gás do Texas - extraído por fracking - para a costa mexicana através de um gasoduto de cerca de 800 quilómetros. O gás seria arrefecido e transformado em líquido em Puerto Libertad, num terminal de liquefação 70 vezes maior do que o Estádio Azteca. Em seguida, seria exportado para a Ásia através de enormes navios-tanque de GNL.

emissões de gases com efeito de estufa
As instalações de processamento e liquefação de gás natural geram impactos ambientais significativos, especialmente em termos de emissões de gases com efeito de estufa.

Este gasoduto marítimo atravessaria zonas protegidas ou zonas próximas destas, como o Golfo Superior da Califórnia e o Delta do Rio Colorado, declaradas reservas da biosfera. Os trabalhos implicam um movimento intenso de navios, dragagem do fundo do mar e possíveis derrames ou fugas que alterariam gravemente o habitat marinho.

E é aqui que surge a polémica. Pois o trajeto do gasoduto toca áreas protegidas, zonas de elevado valor ecológico e regiões habitadas por povos indígenas. A empresa afirmou que dispõe de estudos de impacto ambiental e garante que o projeto será “sustentável”, mas os especialistas em conservação marinha questionam a profundidade e o alcance dessas avaliações.

Uma ameaça para as baleias?

O Golfo da Califórnia é um corredor migratório e um local de reprodução para várias espécies de baleias, incluindo as baleias jubarte, cinzentas e azuis. É um santuário onde cada canto tem uma função vital: encontrar um companheiro, guiar as crias, navegar nas correntes. Mas o ruído gerado pela construção e funcionamento do gasoduto pode interferir com a sua comunicação, navegação e reprodução.

O Golfo da Califórnia é o habitat do mamífero marinho mais pequeno do mundo - a vaquita marinha -, de baleias enormes e esquivas, de uma população única de baleias-comuns e de agregações espantosas de leões-marinhos.

A poluição sonora é um dos impactos menos visíveis mas mais profundos do projeto. Para além do ruído, existe o risco de colisão. O projeto prevê a chegada regular de navios de grande porte, o que aumentaria significativamente o tráfego marítimo numa zona com uma elevada concentração de mamíferos marinhos.

E não esqueçamos a possibilidade de derrames, fugas ou infiltrações durante a construção ou manutenção do oleoduto marinho. A perturbação do ecossistema pode ter consequências a longo prazo, incluindo para as comunidades que vivem do turismo e da pesca.

baleias; biodiversidade
Nenhum projeto justifica o desaparecimento de baleias nas águas mexicanas, muito menos um que agrave a crise climática.

O que dizem as comunidades e os cientistas?

Vários grupos indígenas, pescadores e organizações ambientais manifestaram a sua rejeição do projeto. Não se trata apenas de uma central de gás, mas do direito de continuar a viver com e do mar. Denunciam o facto de não terem sido devidamente consultados, como exigido por lei, e receiam perder o seu modo de vida.

Cientistas de instituições como o CICIMAR alertam para o facto de o valor ecológico do Golfo da Califórnia não ter sido avaliado em profundidade. O impacto ambiental pode ser cumulativo e irreversível, especialmente num ecossistema tão frágil e valioso. Além disso, questionam a viabilidade de investir em infra-estruturas baseadas em combustíveis fósseis no meio de uma crise climática.

Assim, diferentes organizações propõem rever a localização do projeto e impedir que o gasoduto atravesse zonas protegidas. Exigem também a aplicação do princípio da precaução e a realização de estudos independentes e transparentes, com a participação efectiva das comunidades.

Para muitos, o que é urgente não é crescer a qualquer preço, mas decidir que futuro queremos habitar. A discussão vai para além do Golfo: levanta o dilema entre o desenvolvimento económico imediato e a sustentabilidade a longo prazo. Podemos crescer sem destruir o que nos dá vida?