"Em abril, temperaturas mil!": porquê este tempo invulgarmente quente e seco em Portugal?
Abril de 2023 já entrou para a história climática dos registos de temperatura em Portugal! Foram batidos inúmeros recordes à escala continental e, neste "abril de temperaturas mil", analisamos o porquê deste tempo tão quente e seco.
Abril de 2023 já entrou para a história climática dos registos de temperatura em Portugal continental devido ao calor extraordinário que se registou em boa parte do mês! Este período cronológico, anómalo do ponto de vista meteorológico e para o qual têm contribuído registos térmicos invulgarmente elevados e consideravelmente acima da média climática de referência, foi marcado por uma situação persistente de tempo quente e seco.
Os valores de temperatura máxima, bem acima do normal, fazem inevitavelmente recordar o verão, mas recorde-se que ainda estamos no segundo mês da primavera climatológica e que estes números estão longe de ser normais. Será esta uma situação pontual, ou um cenário que cada vez mais se repetirá nos próximos anos em função das alterações climáticas em curso?
Sem querer entrar em demasiadas especulações, de seguida analisam-se alguns dos elementos meteorológico-climáticos que terão contribuído para o calor extraordinário que se verificou neste mês de abril no território continental luso.
“Em abril, temperaturas mil”: porquê este tempo invulgarmente quente e seco?
Em abril de 2023, em particular salientando-se a passada quinta-feira, 27 de abril, foram batidos vários recordes térmicos em Portugal continental, tendo sido alcançados novos valores extremos da temperatura máxima do ar para um mês de abril.
O poderoso anticiclone que tem circulado de forma praticamente estacionária a oeste da Península Ibérica, serve de bloqueio às típicas chuvas primaveris (depressões atlânticas ou depressões isoladas em altitude (gotas frias)) e assim, na sua circulação, transportou para a Península Ibérica uma massa de ar muito quente e seca, procedente da parte setentrional de África.
Este panorama meteorológico, que tem condicionado fortemente o estado do tempo em várias regiões do país, já originou três ondas de calor à escala regional no mesmo mês (abril de 2023), salientando-se as seguintes áreas geográficas do Continente: Alentejo, Lezíria do Ribatejo e Beira Interior.
Saliente-se ainda que, a temperatura máxima extrema para um abril foi agora ultrapassada (36 ºC no Pinhão em 1945). No dia 27 de abril, 7 estações meteorológicas situadas à escala continental registaram os seguintes valores: 36.9º C, Mora; 36.7 °C, Amareleja; 36.5 °C, Neves Corvo; 36.4ºC, Alvega; 36.3 °C, Alcácer do Sal; 36.2 °C, Alvalade/Sado; 36.1 °C, Portel.
Outros aspetos a ter em conta: humidade do solo e a expansão do anticiclone
Além da situação meteorológica já acima descrita, há que ter em conta que, quer Portugal, quer Espanha apresentam, de momento, níveis de humidade do solo consideravelmente abaixo da média para esta altura do ano (sobretudo nas regiões mais austrais e do interior - Algarve, Alentejo, Nordeste Transmontano, entre outras) e, estes valores reduzidos, são um aspeto potenciado pelo calor anómalo que contribui para uma progressiva e preocupante secura dos solos.
Embora a situação em Portugal continental não esteja tão severa quanto Espanha por causa das abundantes chuvas procedentes do Atlântico que regaram o nosso país com fartura em novembro, dezembro e parte de janeiro, o solo está cada vez mais seco e, desde fevereiro, que se nota uma impressionante diminuição da precipitação em território nacional.
Por último, recorde-se uma tendência do ponto de vista climático, – assinalada por vários estudos científicos – que parece querer exibir-se com contornos cada vez mais evidentes a nível atmosférico: a expansão do anticiclone. Embora o tempo calmo, estável, quente e soalheiro seja evidentemente mais típico da estação veranil, episódios como o que estamos a viver neste primaveril mês de abril de 2023 poderão repetir-se com cada vez mais frequência e intensidade no futuro, o que poderia antecipar o chamado “tempo de verão”.
Tecnicismos à parte, de acordo com Javier Martín Vide, Climatologista e Professor Catedrático de Geografia Física na Universidade de Barcelona, a resposta estaria na alteração que está a sofrer o famoso anticiclone dos Açores.
Em entrevista ao jornal El Confidencial, este prestigiante investigador e docente universitário refere, numa das respostas, que "O que está a acontecer é que, tal como no verão passado, que foi particularmente seco e quente, estamos a observar que a grande cintura de anticiclones subtropicais a grande altitude está a deslocar-se gradualmente para norte, resultando em estabilidade e falta de chuva numa grande parte do nosso país (Espanha).”
O mesmo se aplica a Portugal como país integrante da Península Ibérica, dado que uma boa parte do nosso clima possui uma forte componente mediterrânea. Ainda de acordo com Martín Vide “(…) o que sabemos é que esta expansão dos anticiclones para norte está diretamente relacionada com as alterações climáticas.”.