Descubra as incríveis soluções portuguesas que estão a tornar a indústria têxtil sustentável

Cânhamo, cascas de laranja, cortiça, uvas, plástico recolhido das praias ou desperdícios têxteis são algumas das alternativas de fibras naturais ou recicladas que as empresas portuguesas já estão a explorar.

Flores secas
Há cada vez mais alternativas sustentáveis no mercado, com fibras naturais ou processos sem químicos nem gastos excessivos em água e energia. Foto: Balzs/Adobe Stock

A indústria têxtil está entre as cinco maiores poluidoras do mundo. Desde o cultivo de algodão, com uso intensivo de água, aos processos de fabrico com grande consumo de energia, passando pelos corantes e produtos químicos que contaminam os rios, o setor tem sobre si uma pesada contribuição para a degradação ambiental.

Só para se ter uma ideia, um par de calças jeans, acabado de sair da fábrica, já lançou para a atmosfera a mesma quantidade de CO2 que um automóvel emite após percorrer mil quilómetros. Dez por cento das emissões totais de carbono, aliás, vêm do setor têxtil - mais do que todos os voos e transportes marítimos juntos.

Produzir um quilo de algodão, por exemplo, implica gastar 200 mil litros de água. E as microfibras têxteis que, todos os anos, vão parar ao oceano ultrapassam as 500 mil toneladas, o mesmo que 50 mil milhões de garrafas de plástico.

É um preço insustentável para o planeta, não existindo outra opção senão mudar o rumo da indústria têxtil. Há cada vez mais alternativas sustentáveis no mercado, com fibras naturais ou processos que dispensam químicos e evitam gastos desmesurados em água e energia.

O lixo do mar na sola dos sapatos

Uma profunda transformação está em curso em todo o mundo e as empresas, em Portugal, estão também a liderar o caminho para esta mudança. Seja através da reciclagem de desperdícios têxteis, do aproveitamento do lixo marinho, de fibras baseadas em plantas, fungos ou cascas de frutas, as soluções portuguesas estão a mostrar que já não há razões para as nossas peças de roupa continuarem a poluir quase tanto como a indústria petrolífera.

Lixo nas praias
A Zaori é uma marca de calçado que aproveita o lixo recolhido na costa portuguesa para fabricar os seus ténis. Foto: epSos.de, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

Se quiser conhecer alguns destes casos, venha connosco nesta viagem pela região norte do país. A primeira paragem é em Guimarães. É neste município que está a fábrica da Zouri - From the Ocean. A marca de calçado vegan distingue-se por usar resíduos plásticos recolhidos na costa portuguesa.

Em boa parte das vezes, a recolha é feita através de campanhas promovidas pelos próprios municípios. Grande parte plástico é retirado nas praias de Mira, Esposende, Pedrogão e Melides. A empresa conta ainda com parceiros como a Bandeira Azul e a Docapesca - neste último caso, são os pescadores que recolhem os plásticos em alto mar.

Em 2024, a Zouri utilizou uma tonelada de plástico das praias portuguesas na manufatura dos seus ténis.

A empresa trabalha e pesquisa sobre alternativas ecológicas e veganas, misturando o lixo plástico com materiais naturais, como algodão orgânico, borracha natural e tecido de folhas de ananás.

Há outras empresas, como a Lemar, em Guimarães, ou a LMA, de Santo Tirso, a desenvolver os seus tecidos com fios feitos de plástico recolhido no mar. A A. Sampaio & Filhos, também sedeada em Santo Tirso, trabalha com fibras produzidas a partir de banana ou de ananás e até com de desperdícios aproveitados de colchões velhos.

Impacto duplo: reciclagem e inclusão social

Venha agora até ao concelho de Amares conhecer a re.store, a marca têxtil que implementou um modelo de negócio com impacto em duas vertentes – a sustentabilidade ambiental e a inclusão social.

Corações feitos de remendos
A re.store trabalha com populações vulneráveis na transformação de desperdícios têxteis em novos artigos para vestuário, lar ou acessórios. Foto: congerdesign/Pixabay

Ao longo dos últimos quatro anos, a empresa reutilizou cerca de oito toneladas de desperdícios e acessórios da indústria têxtil. Ao usar as sobras das fábricas da região em novas peças de vestuário, a re.store conseguiu evitar que o seu destino fossem os aterros.

Os artigos, vendidos online ou em lojas de parceiros, são confecionados por utentes de centros de dia, de associações de refugiados ou reclusos de estabelecimentos prisionais.

O trabalho é remunerado e o objetivo é justamente promover a inclusão social e económica das populações mais vulneráveis.

O Re.born, da Penteadora, é outro produto de Unhais de Serra, na Covilhã, que utiliza os desperdícios têxteis das suas três fábricas para confecionar um tecido cardado feito com, pelo menos, 50% de resíduos de lã.

É também na Covilhã que se encontra J. Gomes, a empresa de reciclagem de fibras têxteis que, numa parceria com a eco-designer austríaca Anna Resei, cria sofás a partir de desperdícios retirados de roupas velhas.

Alternativas ao algodão e ciclos de vida mais longos

Em Barcelos está sedeada mais uma empresa portuguesa que procura reduzir o impacto ambiental do setor. As fibras naturais da Bloomati by Carvema incluem a utilização de cânhamo, laranja e ananás. A suas malhas, além de evitar consumos energéticos avultados, são também mais resistentes e duradouros do que o algodão.

A empresa também lançou o re.GROWth, uma iniciativa que visa combater o desperdício do vestuário com soluções sustentáveis. Com artigos reversíveis e ajustáveis, a marca oferece peças que crescem com as crianças, prolongando, assim, o ciclo de vida das roupas infantis.

Colaborações com outras indústrias

Boa parte das empresas portuguesa está ainda a recorrer a parcerias para acelerar a mudança na indústria têxtil. É o caso do consórcio entre as empresas Sedacor, exportadora de artigos de cortiça, em Santa Maria da Feira, e Têxteis Penedo, em Guimarães. Desse esforço nasceu o projeto Cork-a-Text - fios revestidos com aditivos de cortiça com diversas aplicações, desde têxtil lar, passando por vestuário, marroquinaria, mobiliário e decoração.

matérias-primas
A natureza e a reciclagem de desperdícios oferecem um manancial de possibilidades para a indústria têxtil criar tecidos mais sustentáveis.

Ainda antes de terminar esta viagem, vale a pena subir ao Alto Minho e conhecer a a Tintex Textiles, em Vila Nova de Cerveira, que fez recentemente uma parceria com Savana Shoe Factory, em Felgueiras. Ambas lançaram uma sapatilha feita com excedentes de cortiça retirados da produção de rolhas.

A Tintex, aliás, já tinha feito, em 2021, uma outra parceria com a empresa Soalheiro, produtora de vinho Alvarinho, em Melgaço.

O consórcio usou resíduos vegetais das uvas, resultantes das vindimas, no fabrico de um tecido alternativo ao couro. O novo material está a ser usado em rótulos para garrafas e também em alguns tipos de vestuário.

Muitos outros exemplos poderiam também ser incluídos neste périplo pela inovação da indústria têxtil portuguesa. Mas, no final desta viagem, já se conseguirá concluir que a natureza oferece possibilidades quase infinitas para explorar caminhos mais sustentáveis.

Referências da notícia

Zouri - From the Ocean. Meet our story. Join the movement.

Portugal Têxtil. Tintex apresenta alternativas ao couro.

Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Portugal: o poder da indústria têxtil na moda sustentável.

Cork-a-Text. Tailored Made by Nature. Breaking the bondaries in textile.

JPSCork Group. SEDACOR, com TÊXTEIS PENEDO, ganha o maior prémio do mundo em Inovação Têxtil 2019.