Descoberta surpreendente: a Terra tem um terceiro campo de energia em seu redor. Para que serve?
Foi detetada pela primeira vez uma peça fundamental para entender o funcionamento do nosso planeta. Alguns cientistas descrevem-na como um “agente do caos”. De que se trata?
Durante mais de 60 anos, especulou-se a possível existência de um terceiro campo elétrico em redor do nosso planeta, e presumiu-se que ele fosse o responsável pelo escape da atmosfera para o espaço exterior, acima dos polos norte e sul da Terra.
Num artigo recente publicado na revista Nature, é descrita esta descoberta, que aumenta a compreensão dos movimentos complexos e da evolução da atmosfera da Terra. Isto não só fornece pistas sobre a história do nosso planeta, mas pode explicar o que aconteceu às atmosferas de outros planetas como Marte, e ajudar a determinar exoplanetas com potencial aptidão para a vida.
Campos de energia
Até agora, eram conhecidos dois campos de energia criados pelo nosso planeta. O primeiro é o campo gravitacional, que é um campo de força que existe em torno de um corpo com massa e descreve a forma como a gravidade se distribui no espaço em redor desse objeto.
A intensidade do campo gravitacional depende da massa do objeto e da distância até ele. Além de nos impedir de flutuar livremente e de nos manter presos à superfície, é responsável por manter a nossa atmosfera 'fixa' ao planeta. Se não houvesse gravidade suficiente, a atmosfera escaparia para o espaço.
O segundo é o campo magnético. Também chamado de campo geomagnético, estende-se desde o núcleo interno da Terra até ao espaço, funcionando como um escudo que protege o nosso planeta do vento solar, o fluxo de partículas carregadas que emana do Sol.
E depois de anos de procura, finalmente conseguiram localizar o terceiro campo: o campo ambipolar, tão fundamental quanto os campos gravitacional e magnético. A sua função é neutralizar a gravidade e expulsar partículas para o espaço.
A descoberta
Há mais de 60 anos, os cientistas presumiram a existência de uma corrente a deram o nome de “vento polar”, fluindo dos polos para o espaço. Isto estimulou investigações para compreender as suas causas.
A luz solar intensa e não filtrada no topo da atmosfera deveria ser responsável pelo escape de algumas partículas do ar para o espaço, mas o vento polar observado era mais misterioso. Muitas destas partículas eram frias, sem sinais de terem sido aquecidas, mas viajavam a velocidades supersónicas. Os cientistas suspeitavam que um campo elétrico ainda a ser descoberto poderia ser responsável por isso.
Esperava-se que esse campo, gerado em escala subatómica, fosse incrivelmente fraco e os seus efeitos seriam sentidos a apenas centenas de quilómetros de distância. Somente por volta de 2016, a NASA teve a tecnologia necessária para a sua deteção, projetando e construindo um instrumento que pudesse medir o campo ambipolar da Terra.
O Endurance atingiu a altitude de 768,03 quilómetros, pousando apenas 19 minutos depois no Mar da Gronelândia. Na faixa de altitude de 518 quilómetros, foram recolhidos dados que mediam uma mudança no potencial elétrico de apenas 0,55 volts, intensidade semelhante à de uma bateria de relógio, mas apenas o suficiente para explicar o vento polar.
Escapando da gravidade
Os iões de hidrogénio, o tipo de partícula mais abundante no vento polar, experimentam uma força externa deste campo 10,6 vezes mais forte que a da gravidade. E isso é mais que suficiente para neutralizar a gravidade. De facto, é o suficiente para lançá-los para o espaço em velocidades supersónicas, disseram os cientistas da missão Endurance no Goddard Space Flight Center da NASA.
Assim, não só a sua existência foi confirmada, mas a sua força também foi medida com precisão. Também foi confirmado o papel que o campo elétrico tem no escape atmosférico (processo pelo qual uma atmosfera perde gases para o espaço sideral) e na configuração da ionosfera.
A descoberta do Endurance, dizem os investigadores, levanta muitas questões que agora podem começar a ser respondidas.
O campo ambipolar, como um campo de energia fundamental do nosso planeta, juntamente com a gravidade e o magnetismo, pode ter moldado continuamente a evolução da nossa atmosfera. A sua função é neutralizar a gravidade e ejetar partículas para o espaço e, segundo os cientistas, é tão fundamental quanto os outros dois campos. E como ele é criado pela dinâmica interna da atmosfera, espera-se que existam campos elétricos semelhantes noutros planetas, como Vénus e Marte.
Referência da notícia:
Collinson, G.A. et al. Earth’s ambipolar electrostatic field and its role in ion escape to space. Nature, v. 632, 2024.