Culpa do clima ou o Homem gosta de desafios?
Com os acontecimentos dos últimos dias, podemos questionar se é o Homem que se propicia a uma potencial ocorrência de eventos com desfecho dramático, ou se, o clima está de tal modo alterado, que surpreende com situações que resultam em catástrofes!
Há cerca de dois dias a costa norte de Tenerife, foi fustigada pelos efeitos da passagem de uma célula convectiva, uma tempestade alimentada nas quentes águas superficiais ao largo da costa do arquipélago das Canárias, tendo, a turística região de Tacaronte, nas imediações do famoso Puerto de la Cruz, situada na encosta do terceiro vulcão mais alto do mundo – Teide, sido assolada por um decorrente fenómeno de forte e elevada ondulação, que esculpiu edifícios erguidos “em cima” da linha de rebentação, resultando em intimidatórias imagens de varandas arrancadas com o impacte da ondulação.
Durante séculos, dependente da agricultura e pesca, mas, a partir de meados dos anos 60 do século passado, com o eclodir da democratização do direito a férias e remuneração compensatória do proletariado, a ilha de Tenerife foi invadida pela massificação do turismo, tendo as primeiras urbanizações sido edificadas na dinâmica região de Puerto de la Cruz.
A necessidade aguça o engenho, e com o crescimento do promissor sector turístico, as apelativas costas da ilha foram sendo esventradas e arrebatadas por elevadas construções que desafiavam a arquitectura numa linha de costa recortada, ao mesmo tempo que apelavam à contemplação de aprazíveis paisagens Atlânticas.
Ora, as imagens copiosamente difundidas nos meios de comunicação social, não mostram, como em olhar nu pode parecer o mar a vilipendiar as condignas construções urbanas, mas antes, dogmantemente, demonstram que não é a natureza que tem de ser admoestada aos intentos do Homem. Explicam que o Homem, tem de ser ciente dos perigos que poderá ter de enfrentar se ousar a coragem de desafiar o incontrolável mecanismo que sustenta os eventos climáticos. E, de destacar aqui que, estes, só se dimensionam de extremos, quando personificam o rácio de perigosidade que representam, face à susceptibilidade a que o Homem se predispõe.
E podemos apontar paralelo com o ocorrido na tarde de ontem, em Vila Viçosa?
Liminarmente, sim, pois "A soberba ofusca a racionalidade". E no nordeste alentejano, o usufruto que a litosfera oferece, as famosas mármores rosas de Vila Viçosa, induziram ao contínuo esventrar morfológico, desprezando o fulcral factor segurança. Ora, os últimos dois dias foram particularmente incisivos em termos de volume de precipitação na região centro-sul do território nacional, e decorrente desta particular condição atmosférica, os solos com deficiente capacidade de infiltração e rápido escoamento superficial, tornaram-se potenciais veículos de eventos de movimentos de vertente, como o tristemente ocorrido ontem.
Nem sempre as imagens transmitem o espelho da realidade, e no caso, o que pulula a comunicação social não abona a real configuração morfológica da região. Na verdade, até ontem, a atravessar a exploração mineira a céu aberto na região de Vila Viçosa, persistia numa grito de resistência, uma ténue linha asfaltada com cerca de 4/5 metros de largura, intitulada de EN255, por onde podiam transitar todo o tipo -sem condicionamento ao factor tonelagem- de veículos terrestres.
Após outra lamentável catástrofe, ouvem-se eruditos termos como “tragédia anunciada”, mas o que quererá isto efectivamente dizer, quando o que se percebe é que eventualmente se predita um acontecimento nefasto, contudo, enquanto nada acontecer, prevalece o aforismo “vamos vivendo e usufruindo”… Será esta, a relação estrategicamente mais eficaz do Homem se relacionar com o meio? Ignorar os perigos e predispor-se ao risco, será o modo mais inteligente de viver em harmonia com o meio? Esperemos que não seja o tempo a responder!