Confirmado: o vento do vórtice polar inverteu-se. Começa a confusão?
Neste momento falamos do vórtice polar estratosférico e não do troposférico, pelo que as suas consequências não são diretamente visíveis. No entanto, à medida que os dias passam, irá alargar-se a camadas inferiores e poderá ter repercussões na troposfera e nas condições meteorológicas à escala planetária.
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O aquecimento súbito estratosférico de que muito se tem falado entre entusiastas e profissionais nas últimas semanas é agora uma realidade e, nas últimas horas, espalhou-se pela estratosfera do hemisfério norte da estratosfera.
Ao contrário da troposfera, a estratosfera é uma camada com quase nenhum movimento vertical das massas de ar e sem influência direta de obstáculos e irregularidades tanto orográficas como atmosféricos da superfície, o que permite uma previsão global mais simples do comportamento desta camada. É por esta razão que o aquecimento atual tem sido amplamente previsto praticamente desde janeiro.
O evento está a ser muito significativo e está a resultar numa inversão dos ventos zonais de oeste que sopram em torno do Polo Norte. Este vórtice deslocou-se sobre a Europa e no seu lugar desenvolveu-se uma corrente oposta, com ventos de leste, sobre o Ártico. Neste momento, esta mudança não tem influência direta sobre a troposfera e apenas afeta as massas de ar que se movem acima dos 30 km de altitude, no entanto, as previsões sugerem que nos próximos dias irá propagar-se para camadas cada vez mais baixas.
Preliminary model analyses indicate that a major sudden stratospheric warming (SSW) occurred today, February 16th. This is a displacement event, with the stratospheric polar vortex nudged off the pole. Now we wait to see how it might influence weather patterns in the next 6 weeks pic.twitter.com/ebmvJozHQM
— Dr Simon Lee (@SimonLeeWx) February 16, 2023
O processo de propagação não é rápido e nem sempre ocorre. Noutras ocasiões, tais acontecimentos ocorreram sem repercussões significativas a níveis inferiores. Contudo, as previsões neste caso contemplam essa propagação durante estes próximos dias para os níveis mais baixos da estratosfera com um grau de confiança notável.
É uma anomalia positiva de temperatura que se desenvolve rapidamente na estratosfera, chegando a aquecer a mais de 50 °C em 2 ou 3 dias, e que altera significativamente a circulação de ventos da mesma. Isto pode - ou não - ser transmitido à troposfera, a camada onde ocorrem os fenómenos meteorológicos que nós notamos, e trazer ar frio e depressões para latitudes mais baixas como a nossa.
Terá consequências na troposfera?
As previsões para esta próxima semana já mostram que estas anomalias na circulação estratosférica poderão propagar-se entre os níveis de 50 hPa e 100 hPa durante a semana vindoura, ou seja, abaixo dos 20 km e à volta da tropopausa. Parece mesmo provável que possam afetar níveis inferiores aos 100 hPa durante os últimos dias do mês e no início de março, pelo que tal influência na troposfera durante as próximas semanas não está de modo algum excluída.
00Z GEFS showing the stratospheric vortex disruption working its way down to the lower stratosphere and upper troposphere by the beginning of March. Could the 60°N wind reversal reach 100mb? The last time this happened in winter was Feb 2010. pic.twitter.com/VihFHi46XT
— World Climate Service (@WorldClimateSvc) February 15, 2023
Se isto acontecer, as consequências na troposfera poderão estar iminentes e levar a um enfraquecimento do vórtice polar troposférico, o que facilitaria o aparecimento de anticiclones de bloqueio em latitudes altas e, em suma, a migração das massas de ar para longe da sua latitude de origem, facilitando o afastamento das massas de ar frio do Ártico e o seu aparecimento fácil nas nossas latitudes. Dependendo da forma como as peças se encaixam, Portugal, em consequência disto, poderá ser afetado por invasões de ar frio e por depressões nas próximas semanas.
Mudanças importantes na próxima semana
Embora uma relação direta com o que está a acontecer neste momento na estratosfera ainda não possa ser provada, os modelos estão a começar a ver mudanças na situação meteorológica à escala sinóptica no final de fevereiro. Em princípio, um grande anticiclone de bloqueio desenvolver-se-ia a oeste da Europa e as baixas pressões fluiriam para sul do mesmo, afetando em certa medida a Península Ibérica. Isto encaixar-se-ia neste cenário de previsão em que o vórtice polar troposférico seria afetado, e nas semanas seguintes este poderia ser um padrão recorrente se tal acontecer.
É de salientar que um vórtice polar enfraquecido não significa necessariamente a chegada de massas de ar frio a Portugal. Embora as advecções de ar frio costumem normalmente ocorrer neste tipo de situações, dependendo da posição das grandes cristas e cavados que se desenvolvem neste tipo de cenários, as condições meteorológicas num ponto específico do hemisfério norte, como Portugal ou Espanha, podem ser completamente opostas.