Como é que uma vespa está a proteger uma ave muito rara da extinção?
Projeto inovador leva vespas numa viagem épica ao Atlântico Sul para controlar espécies invasoras que ameaçam as espécies de aves.
Os conservacionistas levaram uma pequena vespa a 10.000 quilómetros do Atlântico Sul para controlar uma espécie invasora que ameaça uma das aves mais raras do mundo.
A Nesospiza wilkinsi só existe na ilha Nightingale, no Atlântico Sul, que faz parte do Grupo Tristão da Cunha, o arquipélago habitado mais remoto do mundo e que faz parte dos Territórios Ultramarinos do Reino Unido.
A ave come o fruto da Phylica arborea, a única árvore nativa da ilha. No entanto, uma infestação de um inseto introduzido acidentalmente, chamado Coccus hesperidum, estava a causar danos devastadores na floresta da ilha.
Os insetos segregam melada que favorece o crescimento de bolor fuliginoso nos ramos, impedindo a fotossíntese, enfraquecendo e acabando por matar a árvore. Este tipo de inseto é conhecido como “cochonilha” e é considerado muito difícil de controlar.
Trevor Glass, chefe do Departamento de Conservação de Tristan explicou: “Nós não tínhamos percebido o quanto os insetos cochonilhas eram prejudiciais em Tristão, afetando muitas plantas, bem como a Phylica. Ninguém sabia o que era uma cochonilha antes deste projeto, mas a comunidade está agora muito consciente delas”.
Os inquéritos realizados em 2017 revelaram que restavam apenas cerca de 120 casais reprodutores de Nesospiza wilkinsi. A população de Nesospiza wilkinsi foi ainda mais afetada quando enormes tempestades causaram danos na floresta em 2019.
Plano ambicioso
Um grupo que inclui conservacionistas de aves, o RSPB, especialistas em controlo biológico, o CABI, cientistas de plantas da FERA e o governo de Tristão da Cunha desenvolveu um plano para salvar Nesospiza wilkinsi, atacando o inseto invasor e plantando novas árvores.
Os especialistas em insetos descobriram que uma pequena vespa parasitoide chamada Microterys nietneri podia controlar o inseto sem prejudicar outras espécies. Mas levar as vespas para a ilha significou uma viagem de mais de 10.000 km, tudo isto enquanto as restrições impostas pela Covid-19 ainda estavam em vigor.
A viagem épica de um mês envolveu um voo de Londres para a Cidade do Cabo, uma estadia forçada num quarto de hotel como parte da quarentena por Covid de um membro da equipa, uma viagem de barco de uma semana para Tristão, com temperaturas por vezes abaixo de zero, e uma nova viagem de barco para a Ilha Nightingale.
“Parecia que a sorte e o tempo estavam contra nós, mas algumas das vespas conseguiram”, disse o Dr. Norbert Maczey, entomologista do CABI.
Missão bem sucedida
Os 10% de vespas que sobreviveram à viagem foram libertados pela primeira vez na Ilha Nightingale em abril de 2021. Outras libertações tiveram lugar nos dois anos seguintes, e uma população de vespas começou a estabelecer-se.
Segundo Maczey, isto aconteceu surpreendentemente rápido, apesar das condições de frio, chuva e vento na ilha, e estão a controlar com sucesso os insetos invasores.
As árvores estão agora a recuperar, o que já está a ajudar os Nesospiza wilkinsi. Os inquéritos efetuados este ano revelaram que, apesar de cerca de 80% da floresta ter sido perdida, ainda existem cerca de 60 a 90 casais de Nesospiza wilkinsi na ilha.
Os conservacionistas acreditam que a recuperação da floresta está a travar o seu declínio e estão confiantes de que os seus números poderão estabilizar nos próximos cinco anos.
David Kinchin-Smith, gestor do projeto dos Territórios Ultramarinos do Reino Unido da RSPB, afirmou: “Determinação firme, conhecimentos ecológicos e uma grande dose de sorte contribuíram para o sucesso deste trabalho, mas temos esperança de que nós e as vespas tenhamos dado aos Nesospiza wilkinsi uma salvação muito necessária”.