Como é que se comunica às populações o perigo extremo de algo que nunca ninguém viveu antes?
Com as alterações climáticas, os fenómenos extremos estão a tornar-se mais intensos e frequentes causando impactos desastrosos às populações atingidas, como foi o caso recente na região de Valência.
Cada vez mais é fundamental comunicar eficazmente os avisos e alertas emitidos pelas autoridades competentes, de forma a que chegue antecipadamente a toda a população da região que será atingida.
Comunicação eficaz e atempada é importante para mitigar o efeito dos temporais
As grandes inundações são, infelizmente, inevitáveis. O que não é inevitável é a forma como estamos preparados, desde os sistemas de alerta precoce aos serviços de emergência.
A catástrofe que ocorreu no final de outubro em Valência, levou à morte, até agora, 219 pessoas e 93 desaparecidos, além dos danos causados em casas, carros e todo o tipo de infraestruturas.
Friederike Otto, climatologista e cofundadora da World Weather Attribution, que estuda o papel das alterações climáticas nos fenómenos meteorológicos extremos, analisando as inundações em Espanha revelou que a emergência climática tornou a precipitação extrema cerca de 12% mais intensa e duas vezes mais provável.
Apesar disto, em Paiporta, onde morreram pelo menos 62 pessoas, o Presidente da Câmara afirmou que as inundações são comuns e que “as pessoas não têm medo”. No entanto, todos têm que ter em conta que as alterações climáticas estão a tornar mais comuns acontecimentos outrora raros.
A World Weather Attribution estudou 30 inundações devastadoras e, em quase todos os casos, incluindo nos países em desenvolvimento, verificou-se que a precipitação de um modo geral foi bem prevista por parte dos serviços meteorológicos com emissão de Avisos, mas isto não é suficiente.
Em Espanha, as pessoas só foram avisadas à medida que a catástrofe ia acontecendo. Os avisos só foram enviados quando muitas pessoas já se encontravam presas em casas inundadas ou em parques de estacionamento subterrâneos, tentando transportar os seus carros para zonas mais altas.
De acordo com Friederike Otto, os governos locais e os serviços de emergência são os mediadores essenciais entre os serviços meteorológicos e as pessoas em perigo. Têm de ser reforçados e não desmantelados, como foi o caso da Unidade de Emergência de Valência.
Friederike Otto, considerando que os sistemas de alerta para catástrofes, em Espanha e não só, têm de ser melhorados, interroga-se sobre os fundos internacionais para catástrofes e se a UE deve ter fundos para a prevenção, em vez de limpar a confusão depois de uma catástrofe ter ocorrido.
Após a passagem do furacão Helene, mais de 200 pessoas morreram em inundações no interior da região dos Apalaches do Sul dos EUA. Apesar dos avisos de inundações “catastróficas e potencialmente fatais” que antecederam a catástrofe, as pessoas foram apanhadas desprevenidas quando esta ocorreu e muitas não puderam avaliar o quão extremas seriam as chuvas.
Na Alemanha, nas inundações de 2021, não foi dada qualquer informação sobre como agir e não foi dado qualquer apoio àqueles que não se podiam ajudar a si próprios. Na cidade alemã de Sinzig, 12 residentes de um lar para pessoas com deficiência afogaram-se. Em Espanha, já foram noticiadas as mortes dos habitantes de um lar de idosos e receia-se que surjam mais histórias perturbadoras como esta nas próximas semanas.
No futuro mais fenómenos meteorológicos extremos irão acontecer enquanto consumirmos combustíveis fósseis
Atualmente, o aquecimento é de 1,3 oC, mas estamos em vias de atingir os 3 oC até 2100, o que significaria um aumento da frequência e da gravidade de inundações semelhantes às de Espanha. Sem se criar um plano de ação e sem se saber exatamente como aplicá-lo, como se pratica nos simulacros, o número de mortos será sempre elevado quando se bater um recorde de calor ou quando uma nova região for atingida por precipitação e ventos à escala de um furacão, como aconteceu em Espanha.
O investimento nas pessoas e nos serviços de emergência salvará vidas. Mas os governos também não podem reconstruir da mesma forma. Em quase toda a Europa, onde vivem pessoas, os rios são canalizados e todas as superfícies são impermeabilizadas com betão e asfalto para criar uma cidade confortável para os automóveis. Podem ser locais agradáveis mas que acarretam um risco grande.
Se os governantes se quiserem começar a preocupar com as pessoas, têm de voltar a dar espaço aos rios, para que tenham outro sítio para onde ir, em vez de entrarem nas casas das pessoas.
Segundo Friederike Otto, em relação à Europa, os europeus precisam de aprender e reconstruir para um futuro que está apenas a surgir. Mas, mais urgentemente, têm de praticar a sobrevivência num mundo com alterações climáticas.