Colisão com vidros é o acidente mais fatal para as aves. Saiba como protegê-las

Mais de 80% dos pássaros morre após embater numa superfície transparente ou espelhada, revela o inquérito da Sociedade Portuguesa Para o Estudo das Aves. É a principal causa de morte não-natural na avifauna. Mas a tragédia pode ser evitada.

Bando de aves
A colisão contra edifícios envidraçados está entre as principais causas de morte não-natural das aves em todo o mundo. Foto: Jeffrey Ji Photos/Adobe Stock

De cada vez que uma ave embate numa superfície envidraçada, espelhada ou transparente, as probabilidades de não sobreviver são elevadíssimas. Em mais de oito em cada dez casos, o acidente é fatal, revela uma investigação de ciência-cidadã promovida pela Sociedade Portuguesa Para o Estudo das Aves (SPEA).

O fenómeno é alarmante tendo em conta que estas armadilhas estão por todo o lado nas nossas cidades: edifícios ou pontes envidraçados, vedações transparentes que protegem esplanadas e varandas, campos de padel, abrigos de paragens de autocarro, barreiras sonoras, entre tantos outros separadores de vidro ou acrílico usados nos espaços urbanos.

“As aves veem o reflexo da paisagem e não se apercebem que há ali um obstáculo até ser tarde demais”

Hany Alonso, SPEA

A colisão com superfícies transparentes ou espelhadas é uma das principais causas de mortalidade não-natural de aves em todo o mundo. Só nos Estados Unidos, um dos poucos países com uma monitorização montada à escala nacional, estima-se que mais mil milhões de aves morram anualmente, vítimas destes acidentes.

Monitorização pioneira em Portugal

Os casos, embora também muito comuns em Portugal, não foram ainda alvo de estudos aprofundados. Esse é o motivo por que a Sociedade Portuguesa Para o Estudo das Aves lançou, em setembro de 2023, uma iniciativa de ciência-cidadã para investigar a dimensão desta ameaça no território continental e nas regiões autónomas.

O programa consistiu em disponibilizar, durante um ano, um formulário online, onde os cidadãos foram convidados a reportar as colisões observadas e as aves mortas que suspeitassem ter sofrido um acidente desta natureza. O intuito foi fazer uma caracterização preliminar desta realidade, fornecendo os primeiros dados sobre o impacto destas colisões na avifauna portuguesa.

Pardal
O pardal está entre as espécies mais atingidas em Portugal com a colisão contra barreiras transparentes ou espelhadas. Foto: Pixabay

Com base nos dados recolhidos, a SPEA registou 89 incidentes envolvendo 124 aves de 29 espécies diferentes. A estes números, os técnicos da organização juntaram informações de outras fontes, concluindo que, pelo menos 47 espécies de aves em Portugal já terão sofrido embates contra superfícies transparentes ou espelhadas.

A taxa de mortalidade estimada é inquietante: em cerca de 82% dos casos, o acidente foi fatal.

As espécies com o maior número de mortes registadas pelos cientistas-cidadãos foram o pardal, o papa-moscas-preto e o melro. Algumas espécies parecem ser particularmente sensíveis a esta ameaça. A morte por colisão corresponde a uma percentagem significativa da mortalidade não-natural do guarda-rios, do gavião e do papa-moscas-preto.

O perigo durante os voos migratórios

As aves migratórias estão também entre as espécies mais ameaçadas. Este tipo de ocorrência, aliás, não é totalmente estranho para nós. Basta recordar os vários relatos que vão surgindo na imprensa internacional, denunciando a mortandade em massa de milhares de aves.

Em junho deste ano, o jornal New York Times dava conta de mais de mil aves que morreram após uma colisão com um edifício espelhado no centro de Chicago. Em setembro deste ano, a ONG Sociedade de Observação de Aves de Hong Kong denunciou mais 280 aves mortas em colisões de janelas entre 2022 e 2023.

Melro-preto
O melro-preto é das espécies mais bem distribuídas pelo território e uma das que mais acidentes com colisões registou no inquérito da SPEA. Foto: KarinMerlijn/Pixabay

Também em Portugal as aves migradoras estão entre as mais afetadas. Além do papa-moscas-preto, outros como as toutinegras e felosas estão igualmente entre as principais espécies atingidas, segundo o relatório da SPEA.

Como evitar uma tragédia

Esta tragédia, no entanto, pode ser evitada ou, pelo menos, minimizada. “Uma parte significativa das colisões registadas aconteceram em janelas espelhadas de moradias”, refere o comunicado da organização. É por isso importante apontar para soluções.

A SPEA aconselha que, sempre que possível, se considere utilizar outros materiais, e que se evite em especial instalar superfícies transparentes e/ou espelhadas em áreas sensíveis como ribeiras, zonas húmidas, parques, jardins e outros locais com vegetação abundante.

Nas situações em as superfícies espelhadas ou transparentes já estão instaladas, recomenda-se o uso de autocolantes ou películas antiaderentes para tornar as barreiras visíveis aos olhos das aves. Esta solução, no entanto, só resulta se a camada protetora for colocada na face exterior e cobrir toda a área.

Aves migratórias
As aves migratórias estão também entre as espécies mais ameaçadas. Foto: Helga Kattinger/Pixabay

Os edifícios de grande dimensão necessitam de outro tipo de intervenção que pode ser executada com o apoio de técnicos especializados. O que também se propõe para estes casos são testes e monitorização para verificar a eficácia das medidas aplicadas.

Cuidar de uma ave em perigo

Os embates das aves contra obstáculos urbanos são cada vez mais frequentes e precisamos estar preparados para saber socorrer um pássaro em apuros. Se, porventura, encontrar uma ave ferida, após uma colisão, siga estas cinco recomendações da National Audubon Society, ONG nova-iorquina de conservação da natureza.

  • Procure por sinais de vida

Se a ave está inconsciente, toque suavemente nas suas pernas. No caso de observar um movimento é porque o pássaro ainda está vivo.

  • Manuseie com cuidado

Aproxime-se lentamente, por trás, para não o assustar. Coloque-o num saco de papel ou numa caixa de sapatos forrada com jornais, toalhetes secos ou uma fronha de algodão.

Se não tiver luvas, certifique-se de que as mãos estão limpas para proteger as penas da ave.

Se estiver longe de casa, coloque a ave num bolso grande para o aquecer.

Pássaro na mão
Manusear uma ave com cuidado e levá-lo imediatamente a um cuidador profissional é a melhor forma de garantir a sobrevivência de uma espécie vítima de colisão. Foto: Lisa Baird/Pixabay
  • Peça ajuda a um profissional

Transporte a ave até um centro de recuperação de animais silvestres para que possa receber cuidados especializados. Um leigo não poderá reconhecer os sinais de múltiplas lesões em aves e não será capaz de prestar o tratamento adequado.

  • Evite interagir com o animal

As vozes e os toques são perturbadores para as aves. Não deve também alimentá-los nem dar água. Deixe essas tarefas para um profissional.

  • Tenha janelas anticolisão em casa

Torne os vidros das janelas mais seguros para as aves, usando uma caneta para vidro e uma régua para desenhar linhas verticais no exterior com 10 centímetros de distância. Embora menos eficaz, fechar os estores reduz também a probabilidade de colisões. Pode ainda desligar as luzes à noite durante o período de migração das aves.

Referências da notícia

Alonso, H. Vidros: armadilha fatal para aves. Sociedade para o Estudo das Aves Portuguesas (2024).

Holpuch, A. More Than 1,000 Birds Died One Night in Chicago. Will It Happen Again? New York Times (junho 2024).

Ho, K. Over 280 birds killed in collisions with glass windows in Hong Kong between 2022 and 2023 – study. Hong Kong Free Press (setembro 2024).

Kornreich, A., Partridge, D. et al. Rehabilitation outcomes of bird-building collision victims in the Northeastern United States. Plos One (2024).

Kranking, C. You Found a Bird That Crashed Into a Window. Now What? National Audubon Society (2021).