Cocktail de fármacos está a contaminar a cadeia alimentar dos oceanos
Um estudo na Flórida encontrou vestígios de um total de 58 medicamentos, incluindo medicamentos para o coração, opioides, antidepressivos e antifúngicos, disseminados em espécies como o peixe-rato (Albula vulpes).
Apelidados de "fantasmas cinzentos", devido às suas brilhantes escamas prateadas, furtividade e velocidade notáveis, os peixes-rato (bonefish, em inglês) podem nadar até 64 km/h. Esta espécie, protegida por leis de captura e libertação nos EUA, é venerada por pescadores de todo o mundo, muitos dos quais visitam a Flórida para procurar este peixe fugidio.
Mas as evidências apontam para uma queda acentuada no número de peixes-rato no sul da Flórida. As populações caíram mais de 50% em quatro décadas, segundo as estimativas dos investigadores.
Nos últimos três anos, Jennifer Rehage, ecologista de peixes e professora associada da Universidade Internacional da Flórida (FIU) liderou um estudo para descobrir o motivo e descobriu algo que pode ajudar a explicá-lo: produtos farmacêuticos.
Dos 93 peixes-rato que Rehage e a sua equipa estudaram, todos testaram positivo pelo menos a um medicamento, incluindo medicamentos para o coração, opioides, antifúngicos e antidepressivos, de acordo com os resultados do estudo, publicados em fevereiro.
Um peixe-rato estudado em Key West testou positivo para 17 produtos farmacêuticos, oito deles antidepressivos que estavam até 300 vezes acima do nível terapêutico humano. A exposição farmacêutica no peixe-rato do sul da Flórida foi “generalizada e preocupante”, concluiu o estudo.
Esta equipa estudou também cerca de 125 animais que são presas dos peixes-rato, incluindo camarões, caranguejos e pequenos peixes. Cada um continha uma média de 11 contaminantes farmacêuticos, indicando assim que a contaminação não se limita ao peixe-rato.
Embora se saiba mais sobre os potenciais impactos da poluição farmacêutica na água doce, os impactos marinhos têm sido muito menos estudados. Ainda não há informação suficiente para vincular diretamente o declínio do peixe-rato com as drogas, mas o potencial para os produtos farmacêuticos serem um problema para os peixes no mar, é preocupante.
Consequências dos fármacos para os oceanos
Quase 5 biliões de medicamentos são prescritos anualmente só nos EUA, e o americano médio tem cerca de 12 prescrições por ano. Os produtos farmacêuticos chegam à água de várias maneiras, inclusive por meio da fabrico e do escoamento da água da chuva, mas as águas residuais humanas e do gado são uma das principais causas, especialmente a que os humanos enviam pela sanita abaixo.
Em 2013, cientistas da Universidade de Umeå, na Suécia, que fizeram parceria com a FIU no estudo do peixe-rato, descobriram que as percas selvagens eram menos medrosas e mais anti-sociais quando expostas a medicamentos anti-ansiedade, o que poderia afetar a alimentação e a reprodução.
Um estudo de 2016 da mesma Universidade descobriu que o salmão exposto a esse medicamento nadou mais rápido e teve um comportamento mais arriscado. A exposição dos lagostins a antidepressivos tem sido associada a alterações de comportamento, aumentando a sua ousadia e tornando-os potencialmente mais vulneráveis a predadores.
Este problema não se limita à Flórida. Os especialistas dizem que há uma necessidade urgente de melhorar a infraestrutura de águas residuais globalmente para remover produtos farmacêuticos antes que estes cheguem ao oceano.
A melhoria da gestão de águas residuais é importante, mas a própria indústria farmacêutica também tem a responsabilidade de resolver o problema explorando alternativas mais ecológicas.
Existem movimentos políticos para entender mais sobre o impacto das drogas nos meios aquáticos. Em 2019, por exemplo, a UE adotou um “plano estratégico” para abordar os riscos da poluição farmacêutica no meio ambiente. Mas muitas dessas iniciativas concentram-se mais no impacto em ambientes de água doce.