Cientistas portugueses descobrem forma inovadora para acelerar a descarbonização das indústrias
Ao converter o dióxido de carbono em monóxido de carbono, uma equipa internacional, liderada por investigadores da Universidade de Lisboa, solucionou um dos grandes quebra-cabeça para a ciência. A descoberta é encarada como um enorme contributo para reduzir as emissões poluentes da indústria.
O dióxido de carbono (CO2) é um dos principais gases que contribui para o efeito estufa e agravamento dos desequilíbrios climáticos do planeta. Não é por acaso que cientistas em todo o mundo procuram transformar esta molécula em novos produtos úteis, como combustíveis e soluções sustentáveis. A sua ativação e conversão, no entanto, têm sido um autêntico quebra-cabeças para a ciência.
Marcos Bento, Sara Realista e Paulo Martinho, do Centro de Química Estrutural (CQE), e Nuno Bandeira, do Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas (BioISI), são os investigadores principais por detrás desta descoberta. O estudo, publicado na revista Inorganic Chemistry, em meados de setembro, já é encarado como um contributo significativo para a descarbonização dos processos industriais.
O impacto ambiental da nova molécula
O CO2 e o CO são dois gases distintos com uma combinação de carbono e oxigénio, razão pela qual têm nomes semelhantes. Mas, na génese, as suas reações químicas são diferentes. O dióxido de carbono é uma substância composta por um átomo de carbono e dois átomos de oxigénio, sendo inodora (sem cheiro) e insípida (sem sabor) em condições normais.
Para transformar o dióxido de carbono em monóxido de carbono, a equipa de cientistas efetuou a síntese de um composto de rénio – elemento com o símbolo químico Re - ativado através da trietanolamina, um reagente intermédio que absorve a humidade ao seu redor. Esta operação recorreu apenas à luz solar e demorou cerca de três horas a ficar concluída.
Os resultados da investigação poderão, desde logo, vir a apoiar a produção de combustíveis limpos e facilitar a atribuição de novas funções a pequenas moléculas nas áreas da farmacêutica. Os investigadores estão convictos de que este processo pode vir a ser um contributo decisivo para cortar nas emissões poluentes e reduzir o impacto ambiental da atividade industrial.
“Trata-se de uma descoberta importante uma vez que reduz a pegada da indústria e de uma matéria-prima que por si só já é bastante poluente. Além disso, ao utilizar a luz solar como fonte de energia, conseguimos evitar o uso de processos industriais que exigem a utilização de elevadas quantidades de energia”
Marcos Bento, investigador do Centro de Química Estrutural, Universidade de Lisboa
O monóxido de carbono, alcançado através deste processo, pode vir a representar um salto significativo para as aplicações industriais. Os autores do estudo destacam, em particular, a produção de combustíveis através do processo de Fischer-Tropsch, um dos principais métodos usados para gerar hidrocarbonetos. O CO, como matéria-prima, apresenta uma grande versatilidade, podendo ser também aplicado na produção de produtos químicos e farmacêuticos.
O grande impacto desta solução tecnológica incide, sobretudo, no plano ambiental. Ao fornecer uma alternativa prática para a reutilização de CO2 em larga escala, o método pode vir a significar um corte substancial na pegada ecológica das indústrias.
A inovação destaca-se acima de tudo pelo seu contributo para a descarbonização industrial. Com a necessidade urgente de cumprir as metas climáticas, este recurso apresenta, segundo os investigadores, um grande potencial para acelerar a transição rumo a processos industriais mais verdes.
Etapa seguinte: da pequena até à grande escala
Aumentar a escala deste modelo é o desafio que os investigadores têm pela frente. Os esforços estão por isso concentrados na construção de um piloto que permita desenvolver reatores com maior capacidade para reproduzir com eficiência o processo alcançado durante a fase de investigação.
A transformação do CO2 em CO, através da nova molécula, apenas poderá alcançar um significativo impacto em quantidades maiores do que as observadas em laboratório e em pequena escala.
A aplicação industrial do novo CO, além da produção de combustíveis, pode vir a beneficiar ainda o fabrico de uma variedade de produtos, como plásticos e pequenos compostos moleculares usados na indústria química e farmacêutica.
Acima de tudo – defendem os autores do estudo -, o processo promete abrir portas ao desenvolvimento de novos materiais e substâncias que ajudem a promover a economia circular e a reduzir a dependência de recursos fósseis.
A investigação, conduzida pelo Centro de Química Estrutural e pelo Instituto de Biossistemas e Ciências Integrativas, contou ainda com a colaboração da Nova School of Science and Technology (FCT NOVA), do Dutch Institute of Fundamental Energy Research (DIFFER), nos Países Baixos, da Universidade de Glasgow, no Reino Unido e da Universidade de Aveiro.
Referência da notícia:
Marcos A. Bento, Nuno A. G. Bandeira, et al. Solar Light CO2 Photoreduction Enhancement by Mononuclear Rhenium(I) Complexes: Characterization and Mechanistic Insights. Inorganic Chemistry (2024)